sábado, 2 de fevereiro de 2008

DESENHOS DO DECO









" Erótica " e " Maria Rita "
















sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

PIB ... Prá que te quero....

PIB PAULISTANO
SUPERA O DE 22 ESTADOS AMERICANOS


“O Produto Interno Bruto da cidade de São Paulo,
que foi de US$ 102,4 bilhões em 2005,
supera o de 22 Estados norte-americanos
quando analisados individualmente,
segundo uma pesquisa realizada pela Fecomercio-SP
(Federação do Comércio do Estado de São Paulo)…”

“Se a capital paulista fosse um país,
seria a 47ª maior economia do mundo…”

“O PIB da cidade é maior que o de qualquer Estado do país, exceto São Paulo



Retrato de um artista quando adulto



do livro Cotidiano e mistério
Frei Betto

Poesia em forma de pessoa, Chico Buarque encarna os requisitos da obra poética: emoção, economia de palavras e agudo senso estético. Dentro dele faz muito barulho. Mas quem o conhece sabe que ele é quase silêncio, disfarçado de tímido, como quem observa o mundo espantado com o milagre da vida. Entre amigos, o vozeirão grave atropela sílabas, como se temesse a gagueira inexistente, e Chico fala de tudo e de todos, sem poupar irreverência. Entre estranhos, os olhos verdes brilham enigmáticos, luzeiros inefáveis, a boca tapa a fervura d'alma, o sorriso, entre maroto e contido, exibe as teclas de piano entre o sim e o não.

Diante do olhar canibal dos fãs, quase que Chico olha para trás, convencido de que não é com ele. Dane-se a cabeça idolatrada, mas ele se sabe de barro e sopro, exilado dessa imagem que a admiração alheia, avara, projeta na imaginação fantasiosa de quem, um dia, numa frase musical, viu-se arrebatado e identificado, no amor, ou na dor, no sentimento indelével que o poeta captou, fraseou e cantou.

Francisco Buarque de Holanda teve o privilégio de fazer 20 anos nos anos 60. Seresteiro precoce, cercado de livros e cordas na rua Buri, em São Paulo, trocou a régua e o compasso, da faculdade de Arquitetura, pela toada intimista da Bossa Nova, trazida ao lar pelo cunhado João Gilberto. Todavia, neste carioca branco de alma negra, o morro impregnou-se mais forte que a praia. Desconfio de que, no fundo, Chico lamenta não ter nascido na Estação Primeira de Mangueira, com todo o talento que Deus pôs nos pés e na magia dos brasileiros que fazem do futebol a arte de dançar em torno de uma bola.

Em 1964, a ditadura ameaçou os padres dominicanos de expulsão do Brasil. Prejudicados pela conjuntura política, apelamos aos amigos. No teatro Paramount, em São Paulo, promovemos o espetáculo beneficente Avanço, no qual Chico Buarque, cantor de platéias estudantis, fez sua estréia para o grande público. Havia também uns baianos muito novos, o irmão de Bethânia do Carcará, um ex-bancário chamado Caetano, todo timidez, e um amigo dele, ex-funcionário da Gessy-Lever, um tal de Gilberto Gil...

Nasciam ali os trovadores que iriam desencantar a ditadura, embora forçados ao exílio e submetidos à censura. Deram-se as mãos na Passeata dos 100 Mil, em torno da igreja da Candelária, no Rio e, mais tarde, Roda Viva, de Chico, comprovou que teatro é espelho. Mirem-se nas mulheres de Atenas. Rostos macabros não gostaram de se ver refletidos. Quebraram o espelho, assim como os algozes de Antonio Maria acreditavam que jornalistas escrevem com as mãos...

Chico foi para a Europa, no auto-exílio inevitável. Fez espetáculos em favor dos exilados e deu às suas letras um tom mais profético que romântico. Aqui é o seu lugar e, de retorno ao Brasil, ousou quebrar o cálice e fazer ouvir a sua voz, convencido de que amanhã será outro dia. Foi para São Bernardo do Campo apoiar, com Vinícius, os metalúrgicos que, liderados por Lula, teimavam em sonhar um Brasil diferente.

Filho de famílias que há 100 anos conspiram em favor da democracia, Chico não é um militante, desses que exibem carteirinha de partido e atestado de tendência ideológica. Nem “militonto”, que pula de palco em palco, acreditando que, com o seu violão, vai salvar a pátria e acabar com a fome no Brasil. Mas é um cidadão da utopia, impregnado da virtude da indignação. Esteta, tem a medida das coisas. Nessa arenga nacional, conhece exatamente o seu canto e, quando faz a noite, sua voz suave, de timbre acentuado e arroubos. Porque canta o que sentimos sem encontrarmos palavras, expressão agônica de nossos espíritos atordoados ou enamorados. E tece em letras os estorvos que impedem a vida de ser a arte de sonhar acordado.

Chico é ele e suas mulheres - Marieta, Silvia, Helena e Luiza. Quartenura. Ele é feito de detalhes - o que, aliás, importa em nossas vidas. Sua casa é um espaço democrático, onde candidatos, desde que progressistas, expõem suas idéias e acolhem críticas e sugestões dos artistas. Na Gávea, vi seu pai fazer 76 anos e cantar Sassaricando em latim. Aos 50 anos, para ele o tempo não passou na janela. Ele se fez geração. Na arte e no palco, transmuta-se em Carolina, numa dessas mulheres que só dizem sim, seresteiro, poeta e cantador, olhos nos olhos, ele se chama Mané e dobra a Carioca, sobe a Frei Caneca e se manda pra Tijuca na contramão. Aliás, sempre andou na contramão. Nunca esteve à toa na vida e, cantando coisas de amor, alia-se à esperança dessa gente sofrida que quer despedir-se da dor. Larápio rastaqüera, pai paulista, avô pernambucano, bisavô mineiro, tataravô baiano, ele gostaria de ser o mais exímio jogador de sinuca. Falso cantor, Chico é apenas um artista brasileiro.

Saibam que poetas, como os cegos, podem ver na escuridão. Nessas tortuosas trilhas, sofre o pânico cênico, admira Fidel Castro e, viciado em futebol, jamais se “miamizou”. Quando no Rio, cidade submersa, os escafandristas e sábios decifrarem o eco de suas cantigas, amores serão sempre amáveis e cantores, duráveis. Porque a alma brasileira vai reter Chico para sempre.

Se do barro o Criador fez alguém com tanto amor, foi Chico.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

QUARTA POÉTICA


O CORVO
Edgar Allan Poe


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, “está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais.”

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais
-Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..."E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais".

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais
-Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais".
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.”

Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... Nunca mais!

Traduzido por Fernando Pessoa de The Raven, de Edgard Allan Poe, ritmicamente conforme com o original.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

HUMOR

Uma garota foi ao médico para perder uns quilinhos. Após um exame minucioso, ele disse:
- Você pode comer de tudo por dois dias; depois, pule um dia e volte a comer normalmente por mais dois dias; pule outro dia e assim por diante, durante o mês inteiro. Se seguir esse regime à risca, você vai perder pelo menos cinco quilos.
No início do mês seguinte, ela retornou ao médico, 15 quilos mais magra.
- Incrível! Vejo que você seguiu minhas instruções rigorosamente. Parabéns!
- Obrigada, doutor. Mas fique sabendo que eu quase morri!
- De fome?
- Não! De tanto pular!

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Embora o fanático por futebol estivesse maravilhado por se encontrar no estádio, ficou decepcionado com a localização de sua cadeira. Correndo os olhos ao redor com o binóculos, avistou um lugar melhor vazio e se dirigiu para lá. Ao chegar, perguntou ao homem na cadeira ao lado:
- Posso me sentar aqui?
- Claro – respondeu o homem. - Era o lugar da minha mulher. Ela adorava futebol e sempre vínhamos juntos aos jogos, até ela morrer.
- Sinto muito pela perda – disse o fanático. - Mas fiquei curioso. Por que não deu o ingresso a um amigo ou parente?
O viúvo respondeu:
- Estão todos no enterro.

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O jovem queria entrar para a polícia. Inscreveu-se e foi chamado para um teste.
- Neste teste é necessário ter raciocínio rápido – alertou o examinador.
- O que foi que o senhor disse?
- Que está dispensado.

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O médico pergunta à mulher:
- Você costuma ter relações durante o dia?
- Sim, pelo menos duas vezes ao dia.
- E durante o ato, fala com seu marido?
- Não. Ele não gosta que eu ligue para o serviço dele.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Chico, São Paulo e Bahia



Revista Época 1999
Caetano Veloso




Uma declaração de amor pelo show As Cidades

O show do Chico foi uma das coisas mais maravilhosas que vi nos últimos tempos. Uma das emoções mais inteiras e impressionantes que já tive. Os anos passando, e Chico, como artista maravilhoso, foi sedimentando seu talento. Esse show é uma prova disso. O público chegava no Canecão, sentava, e aí vinha o Chico, desfiando aquelas canções belíssimas, com um roteiro extraordinariamente bem-feito. O show é lindíssimo. É uma catarata de palavras e melodias bem encontradas. Que fluem com uma naturalidade, que tocam em pontos de muita profundidade e beleza. O público fica louco. Chorei quando vi o novo show de Chico.

Eu adoro a música “Carioca”. Embora ninguém fale disso, Chico de fato é muito paulista. Ele nasceu no Rio, mas por mim ele é paulista. Eu o conheci em São Paulo, ele cresceu em São Paulo, se educou em São Paulo, o pai dele era paulista, a casa dele era em São Paulo. Ele se mudou para o Rio depois que já era um homem. As canções que fizeram de Chico Buarque o que ele é foram todas compostas em São Paulo. São canções paulistas. Mas ele não toca muito no assunto, ele ficou como carioca e ponto final. E os paulistas, por sua vez, não reivindicam isso. Eu acho isso uma coisa misteriosa! Isso revela muito sobre São Paulo.

Não quero encher o saco do Chico com essa história. Já encho muito o saco dele, normalmente, porque sou muito falastrão e ele é muito calado. Eu falo muito as coisas que penso, e o Chico acha isso um pouco chato. Mas ele gosta de mim. Quando começaram a sair notícias no jornal sobre o disco dele, que não por acaso chama-se As Cidades, li que uma das músicas chamava-se “Carioca”. O disco é todo espetacular, mas essa música resume tudo o que penso sobre o trabalho e o show. Quando ouvi “Carioca”, percebi que a canção tinha uma levada algo baiana, algo axé. Aquela mistura de marcha-rancho com samba leva para a Bahia.

Vamos voltar no tempo. Quando a Mangueira fez um desfile em homenagem aos baianos (eu, Bethânia, Gal e Gil), a crítica caiu em cima, os jornais meteram o pau na escola, e a Mangueira quase caiu do Grupo Especial. Anos depois a Mangueira homenageou o Chico, e todo mundo achou maravilhoso. Mas os autores do samba eram paulistas, e eu pensei: “Que coisa reveladora!”

Isso tudo tem um significado sutil e profundo para mim. Quando fui ver o show, Chico canta um samba da Mangueira de décadas atrás que diz mais ou menos o mesmo que a música que fiz para agradecer o desfile em nossa homenagem. É uma letra que começa a enaltecer as coisas da Mangueira e termina sempre assim: Até parece que eu estou na Bahia. O Chico incluiu a música no show e... eu chorei. Fechava toda essa história que penso sobre Chico, São Paulo, Rio, enfim... Eu fui até ele e disse: “Chico, eu vi o show pensando o tempo todo que ele tivesse sido feito para mim. Especialmente para mim”.

No mundo há muitas armadilhas

No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha

Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)

No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?

Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga

A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.

Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e agüentarás até o fim.

O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje

A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.

(Ferreira Gullar)

domingo, 27 de janeiro de 2008

Um bom aluno deve responder às questões com bastante clareza?



Luiz Botelho



Eu não gostava muito de estudar, principalmente quando a matéria ou o assunto não me interessava vivamente. Isso me causou problemas em todas as minhas fases escolares, do primário à universidade. Apesar disso, sempre mantive um bom relacionamento com quase todos os meus mestres, embora eu perturbasse de vez em quando o bom andamento das aulas dizendo algumas frases de efeito, minha especialidade, o que sempre provocava risos generalizados dos demais alunos e, às vezes, dos próprios professores.

A melhor recordação dessas brincadeiras que guardo na memória vem de quando eu tinha 15 anos e cursava o 1º ano secundário, mesmo tendo sido reprovado direto naquela oportunidade em todas as matérias sem direito a fazer as provas finais.

Numa das provas de História Geral, das dez questões discursivas, apenas duas ou três eu conseguiria dar uma enrolada e escaparia de levar um zero. As outras questões, eu não fazia a menor idéia do que se tratava. Não tinha estudado a matéria e não havia escapatória – outra nota baixa. Porém, depois de ler atentamente às instruções que o professor colocou antes do enunciado das questões, algo me iluminou e eu acabei por responder todas elas utilizando integralmente os quatro lados do papel pautado.

Esse professor tinha o hábito de entregar as provas da nota mais baixa até a mais alta, chamando aluno por aluno que se dirigiam à sua mesa para pegá-las. Os primeiros que eram chamados já sabiam que tinham se dado mal. Iniciada a distribuição das provas, eu comecei a ficar bastante preocupado, pois meu nome não constava entre os primeiros como era habitual. Entregue a penúltima prova – um dez ao melhor aluno da sala – só eu não tinha sido chamado. Então, o professor começou a fazer um discurso que transcrevo a seguir mais ou menos do jeito que eu me lembro: "Estou aqui com uma prova de um aluno que só há pouco consegui definir sua nota. Em todos esses anos que ensino, eu nunca tive tanta dificuldade em corrigir uma prova. Fiquei alguns dias tentando encontrar uma razão para as respostas dada por esse aluno. Mostrei a prova à minha esposa, também professora bem experiente, e ela, sem pestanejar, sugeriu um zero bem redondo. Não era simples assim. Alguma coisa estava por trás daquelas respostas, só que eu não estava conseguindo entendê-las. Hoje pela manhã, no trajeto de casa para a escola, minha esposa ao volante, eu ainda observava essa prova que tanto me intrigara. Que nota darei? – me questionava constantemente. Foi quando, de repente, finalmente, enxerguei a lógica por trás das respostas. Dei gritos de felicidade e alívio que assustaram minha esposa ao lado: Heureca! Heureca! Fantástico! É um gênio! Merece um dez!. Minha esposa pediu que eu me controlasse e deixasse de maluquice, pois esse moleque merece zero e uma boa surra dos pais." O professor, então, em tom solene, finalizou: "Por favor, Sr. Luiz Antonio Mendes Botelho, levante-se." (Naquele momento eu já não sabia aonde enfiar a cara. É exatamente nessas horas, em que me torno o alvo das atenções, que a minha timidez aflora até a pele – o sangue totalmente concentrado em minha face). "Meu caro", prosseguiu ele, "como professor de História não tenho outra opção a não ser lhe dar uma nota zero. Porém, como que para te compensar os momentos de euforia que você me proporcionou nestes últimos dias, peço que toda a turma te aplauda de pé e gostaria de te dizer que, do fundo do meu coração, você merece a maior nota do mundo."

Honestamente, acho que esse querido professor exagerou um pouco nos elogios. A brincadeira (ou molequeira) que fiz foi a seguinte: Uma das instruções da prova pedia que os alunos respondessem às questões com bastante clareza. Eu não contei conversa: Questão 1 – Clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza...; Questão 2 – Clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza...; ... ; Questão 9 – Clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza...; Questão 10 – Clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza, clareza..., e fui assim, respondendo todas as questões com bastante clareza, até preencher completamente o papel pautado.

Ao repetir esta série, no ano seguinte, não tive o privilégio de ser aluno, mais uma vez, desse professor de História Geral, mas fiz questão de lhe mostrar as boas notas conseguidas por mim na matéria em que ele era mestre. A partir de então, tive um razoável desempenho em todas as matérias até à conclusão do curso secundário. Na Universidade, a coisa novamente desandou, mas isso já é uma outra história...