sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A deletéria cultura do "não pode"


Jorge Portugal

Tenho muito falado sobre o “engessamento mental” a que os vestibulandos são submetidos por professores pouco hábeis no ensinar, ou, a bem da verdade, parcos de conhecimentos naquilo que faz a sua profissão.

Muitos professores, especializados apenas em língua portuguesa, permitem-se ministrar aulas de redação sem ter escrito um só texto em toda a sua vida. Resultado: desconhecendo o modus operandi da construção de um texto, pela própria experiência de redigir, escudam-se em mil desculpas, transformando a aula de redação num verdadeiro inferno de proibições.

Costumo receber estudantes aflitos, no meu curso particular, queixando-se das mais diversas dificuldades, no campo da comunicação escrita, que, vistas de perto, significam muito pouco, quando se fala de redação com propriedade. Já classifiquei essas predisposições como “a cultura do não pode”.

Há professores desorientados que levam um ano inteiro dizendo ao aluno que “não pode isso, não é permitido aquilo” e terminam por não ensinar o que realmente conta na construção de um texto.

Exemplo gritante é aquele jovem desesperado que se acha incapaz de escrever uma boa dissertação pois “não consegue obedecer ao rigor das margens do papel, e já disseram a ele que isso pode zerar a redação”. Outros se queixam de sempre se esquecerem de colocar o pingo no “i”, e aquela professora já tirou belos pontos do seu texto por isso.

Pronto! Está criado o caldo de cultura para o bloqueio da criatividade, para o “travamento” da mente à cata de boas idéias. O pobre estudante, ao pegar a caneta, já começa obsessivamente a pensar em recomendações e esquece o trabalho principal: construir um texto bem organizado, com boa abordagem e linguagem expressiva. Um texto com unidade, coesão e coerência. Nada mais.

Se o margeamento não foi milimetricamente atendido, se o pingo do “i” foi mais uma vez esquecido, se houve, até, leves erros gramaticais, mas o texto revela um inequívoco talento para a criatividade com palavras, isso é o que importa. O resto vai-se consertando na exaustão da prática. São “toques” posteriores que o grande mestre vai dando ao seu pupilo, ao lado das palavras elogiosas por aquilo que ele fez de positivo. E assim pode nascer um grande escritor!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

HUMOR

Quatro homens casados foram pescar. O primeiro disse:
- Vocês não fazem idéia do que tive de fazer para poder vir pescar. Prometi à minha mulher que pintaria a casa no próximo fim de semana.
O segundo homem disse:
- Isso não é nada! Eu prometi à minha que construiria uma piscina nos fundos da casa.
O terceiro homem disse:
- Está muito fácil para vocês! Eu tive de prometer que ia remodelar a cozinha.
Eles continuaram a pescar, até que perceberam que o quarto homem não tinha falado nada. Quando lhe perguntaram o que fizera para poder ir à pescaria, ele respondeu:
- Ajustei o despertador para as 5h30. Quando tocou, cutuquei minha mulher e perguntei: “pescaria ou sexo?” E ela me respondeu: “Leve um agasalho.”

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O sujeito, aflito, chega para o amigo e pede seu conselho:
- Minha sogra morreu e agora fiquei em dúvida: não sei se vou trabalhar ou se vou ao enterro dela... O que você acha?
E o amigo:
- Primeiro o trabalho, depois a diversão.

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Roberto e Paulo entram no bar, dando gritos de alegria.
- Garçom, bebidas para todos! Por nossa conta!
- E o que estão comemorando? – pergunta o garçom.
- Acabamos de completar um quebra-cabeça, e em apenas sete meses! – responde Roberto.
- Sete meses? – espanta-se o garçom. - e qual é a graça? Não deviam ter demorado tanto.
- Ah, é? – retruca Paulo. - Pois saiba que na caixa está escrito: “De dois a quatro anos”!

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Duas mulheres conversam sobre livros. Uma diz:
- Gosto de livros em que a gente não sabe o fim e tudo pode dar em perfeição ou tragédia.
- Como por exemplo?
- Livro de receita.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

QUARTA POÉTICA


Pablo Milanés

Em janeiro de 1978, Ignácio de Loyola Brandão, Antonio Callado, Fernando Morais e Chico Buarque, receberam o convite da Casa de Las Américas e passaram um mês em Cuba como integrantes do júri de teatro do Festival Latinoamericano realizado anualmente. Era a primeira vez desde 1964 que brasileiros residentes no Brasil participavam do júri: antes, só brasileiros que estavam fora, exilados. Neste período, Chico começou a encontrar gente, conhecer pessoas de vários países latino-americano: Músicos, artistas, intelectuais, e participou ativamente daquele momento muito forte, daquela espécie de movimento de resistência, o tempo da latino-americanização, um movimento coletivo espontâneo. Foi ali, junto com Pablo Milanés, que ele compôs Canción por La Unidad Latinoamericana. Na volta ao Brasil, Chico foi preso e interrogado, mas isto é uma outra história...


Canción por unidad latinoamericana
Pablo Milanés - Versão de Chico Buarque/1978

El nacimiento de un mundo
Se aplazó por un momento
Fue un breve lapso del tiempo
Del universo un segundo

Sin embargo parecia
Que todo se iba a acabar
Con la distancia mortal
Que separó nuestras vidas

Realizavan la labor
De desunir nossas mãos
E fazer com que os irmãos
Se mirassem com temor

Cuando passaron los años
Se acumularam rancores
Se olvidaram os amores
Parecíamos extraños

Que distância tão sofrida
Que mundo tão separado
Jamás se hubiera encontrado
Sin aportar nuevas vidas

E quem garante que a História
É carroça abandonada
Numa beira de estrada
Ou numa estação inglória

A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue

É um trem riscando trilhos
Abrindo novos espaços
Acenando muitos braços
Balançando nossos filhos

Lo que brilla com luz propia
Nadie lo puede apagar
Su brillo puede alcanzar
La oscuridad de otras costas

Quem vai impedir que a chama
Saia iluminando o cenário
Saia incendiando o plenário
Saia inventando outra trama

Quem vai evitar que os ventos
Batam portas mal fechadas
Revirem terras mal socadas
E espalhem nossos lamentos

E enfim quem paga o pesar
Do tempo que se gastou
De las vidas que costó
De las que puede costar

Já foi lançada uma estrela
Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcançar
E andar abraçado nela

Já foi lançada uma estrela
Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcançar
E andar abraçado nela

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Bahia, o lugar ideal (O colunista em crise não consegue voltar das férias)


Arnaldo Jabor


Jornal O GLOBO – 01/02/05

Não consigo ir embora da Bahia. Acabaram minhas férias e continuo aqui. Mesmo que eu viaje depois do Carnaval, levarei a Bahia comigo. Não se trata de louvá-la; quero entendê-la, não com a cabeça, mas com o corpo, com as mãos, com o nariz, entender como um cego apalpa um objeto, entender por que este lugar é tão fortemente estruturado em sua aparente dispersão. Aí, descubro que, ao contrário, a Bahia me ajuda a “me” entender. Na Bahia, percebo que sou neurótico, obsessivo, sempre em dúvida, ansioso. Gostaria de estar na Praia do Forte, quieto, dentro do mar, como um peixe, como parte da geografia e não fora dela.

Salvador não é uma “cidade partida” como é o Rio, nem a cidade que expele seus escravos, como São Paulo, que um dia será castigada, estrangulada por sua periferia. Aqui, de alguma forma misteriosa, todos são donos da cidade. Uma cidade erótica e religiosa, plantada nos cinco sentidos, fluindo do corpo e da terra. Tudo se sincretiza, natureza e cultura. Amores fluem. Os deuses não estão no Olimpo; são terrenos e florestais, estão na rua, no dendê, nas palmeiras.

Tenho uma espécie de inveja e saudade desta cultura integrada, dessa sociedade secreta que vejo nos olhares das pessoas falando entre si, uma língua muda que não entendo, tenho inveja da grande tribo popular que adivinho nos becos e ladeiras, das pessoas que riem e dançam nas beiras de calçada, que se amam na beira-mar, tenho inveja desta cultura calma que vive no “presente”, coisa que não temos mais nas “cidades partidas”, sem passado e com um futuro que não cessa de não chegar.

Nesta época maníaca, que se esvai sem repouso, aqui há o ritmo do prazer. A civilização que os escravos trouxeram criou esta “grande suavidade”, este mistério sem transcendência, este cotidiano sem ansiedade, esta alegria sem meta, esta felicidade sem pressa. Aqui a cultura vem antes da lei. A sinistra modernidade tenta adquirir a Bahia, possuí-la, apropriar-se das praias, das ilhas, dos panoramas. Mas mesmo o progresso urbano e tecnológico aqui fica domado de certo modo pela cultura. E o moderno ganha uma aparência única.

As festas do ano inteiro não são diversionistas, orgiásticas, para “divertir”, são para integrar.... Não é uma sociedade, mas um grande ritual em funcionamento. O Brasil aflito, injusto, imundo, inóspito devia aspirar a ser Bahia. Aqui dá para esquecer o jogo sujo do Congresso em Brasília, aqui você não morre afogado na enchente da marginal Tietê, nem o Ronaldinho é assaltado com revólver na cabeça. Não conheço lugar mais naturalmente democrático. E, por isso, não consigo ir embora.

Vou comprar uma camiseta “NO STRESS” e ficar bebendo água de coco e caipirinha para sempre.

E eu faço o que.....trabalhando diante de um visual desse???

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

É o maior! Éo maior! É o maior!

Danuza Leão
Colunista da Folha



Folha de São Paulo - Junho/2004

Encontrar Chico Buarque em algum lugar - qualquer lugar - cria sempre uma tensão. Mesmo nunca tendo visto Chico, todo mundo sabe quem ele é, acha que conhece e, num momento de distração e deslumbramento, cumprimenta (mas poucos ousam pedir seu autógrafo). Há os que nem olham, para fingir que estão respeitando sua privacidade, mas é impossível ignorar a presença de Chico.

Quando ele chegou ao Rio vindo de São Paulo, ainda garoto, freqüentava o Antonio’s, que era o segundo lar dos boêmios da cidade; sentava com os amigos e durante a madrugada era o troca-troca de mesa - como todo mundo, aliás.

Nesse tempo, no Rio, os shows brotavam assim, do nada: uma noite era na Faculdade de Arquitetura, outra, num teatro meio abandonado, e houve uma no colégio Sacré Coeur de Marie, onde Chico cantou. Os brotinhos babaram, mas ele saiu correndo apavorado.

Quando começou a se profissionalizar, morou na rua Prado Jr., uma espécie de Boca do Lixo do Rio, para ficar perto da boate Arpège, uma muvuca onde se apresentava. D. Maria Amélia, sua mãe, achava a boate chiquíssima, talvez por causa do nome.

Seus amigos são verdadeiros anjos de guarda e construíram uma sólida proteção em volta do seu ídolo. Se alguém pergunta a algum deles de que cor são os olhos de Chico, vai ouvir um “não sei”. E tem filhos? Não sabem. É compositor? Também não sabem, nunca ouviram falar: fidelidade é isso aí.

Segundo Ruy Guerra, Chico não existe, é ficção, e bem que pode ser. Ele é um mistério: nem precisa dar entrevistas, pois todo mundo sabe o que pensa, o que acha de quase tudo e em quem vota. Sorri muito, mas não fala: para escutar sua voz, só ouvindo um CD.

Chico foi responsável por grandes paixões e dores de cotovelo que pareciam eternas, quando as moças ouviam suas canções. Quem não cantou baixinho “mas devo dizer que não vou lhe dar o enorme prazer de me ver chorar”? Ou: “Deixa em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa”, e “quantas águas rolaram, quantos homens me amaram bem mais e melhor que você”? Qual a mulher que não amou, sofreu, deu a volta por cima e se vingou, ouvindo e cantando Chico? Qual?

Ele nunca foi de sair muito, freqüenta pouquíssimos restaurantes, onde só é visto jantando com a ex, Marieta, e uma das filhas, joga futebol no estádio Vinicius de Moraes, seu campo particular, e continua fiel às suas preferências do tempo em que morou na Itália: massas e grapas. Campeão de futebol de botão, Chico modernizou-se e agora passou para os videogames - de futebol, é claro.

Está fazendo 60 anos, e nenhuma mulher do mundo trocaria ele por dois de 30. Chico lindo, Chico dono dos olhos cor de ardósia mais bonitos do mundo, Chico sensível, Chico feminista, Chico machista, Chico que finge que não olha pra mulher nenhuma, Chico sonso, Chico moita, Chico tudo.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Era inveja


Maitê Proença

No Brasil, três coisas são indiscutivelmente democráticas. A praia, que debaixo de um sol junta madame e funkeira trajadas no mesmo uniforme. O futebol, que une o ladrão e o padre numa imensa fraternidade. E o trânsito, que bota o Zé do Chevette e João do Jaguar lado a lado, paralisados pela mesma encrenca. Das três brasilidades, o futebol é a que mais me intriga.

Tenho um namorado que ama a bola. É uma pessoa cheia de virtudes, mas, se há uma constância em seu caráter, esta é a impontualidade. Não consegue chegar na hora, o mundo o atrapalha, a menos é claro no caso do futebol. Não falo aqui daquele jogo no estádio com hora oficial para começar, refiro-me à pelada, ao racha, àquele bate-bola entre amigos, que no caso aqui de casa acontece três vezes por semana. O campo é longe, uma viagem, o sol a pino - não importa. Dia do compromisso logo cedo o moço fica ansioso, não pode atrasar e não há imprevisto que o segure. Nesses dias meu amor é um britânico!

Sábado desses resolvi acompanhá-lo. Os companheiros de partida, esbeltos desportistas, não gostaram nadinha, mas, gentis, fizeram que sim. Aquilo não é lugar de mulher, eu já devia saber. Para compensar o mal-estar, começa o jogo e eu bato muita palma, exagero o entusiasmo, assovio e tanto faço que o dono do campo a quem eu bajulava escancaradamente sentiu-se na obrigação de me dedicar um gol. Segue o embate com altos e baixos, a coisa aquece e pimba... um golaço, aquele chutão do meio do campo para dentro da rede à Roberto Carlos. As más-línguas desmerecendo o artilheiro dizem que o momento é histórico e não se repetirá - não acredito, foi jogada de mestre; vi e guardarei na memória. Continua a partida com bons momentos, outros nem tanto, uma contusão aqui, uma falta ali, um corpo caído no chão. De repente me bate uma estranheza e vou percebendo que acima da bola, das jogadas, do corre para lá e para cá, o que mais se via, na verdade, eram discussões, ofensas, xingamentos e uma roubalheira de fazer corar um palmito. A coisa chegou a um ponto em que tive a certeza de que terminado aquilo os adversários não voltariam a se falar.

Acaba o jogo. Entre vitórias e desilusões, corre-se para o vestiário e devo dizer que nem na feira fala-se tão alto e ao mesmo tempo quanto num banheiro cheio de homens; eu não estava dentro, mas nem precisava... Fiquei quietinha do lado de fora esperando meu namorado, que, pela delonga, tomava um banho de Cleópatra. Assim, pude observar bem os outros rapazes que sorridentes e limpinhos iam saindo do vestiário qual amigos de infância. Aqueles mesmos que há pouco se juravam de morte agora pavoneavam-se uns para os outros aos tapinhas nas costas. Havia ali cantores-compositores, um sapateiro, o editor de um jornal, um empresário da música, atores, um jogador aposentado, dois médicos e alguns moços das redondezas empobrecidas cuja competência em campo desequilibrara o jogo tudo adversário de sangue na hora da bola e amigo do peito na saída para o chope. Na pelada não há rancores, o que se passa em campo fica no campo. Nem pudores, ali são todos craques - o vírus da imodéstia ataca democraticamente. Uma beleza!

Fui-me embora com um vazio a futucar o espírito. O que nós, mulheres, temos de parecido, o shopping, o salão? Nem chegam perto. Não pode xingar, espernear, soltar os sapos da garganta - além do que, num e noutro, o máximo de exercício que se faz é com a língua na futrica da vida alheia. Muito chato. Não havia como negar, o brinquedo dos rapazes é divertido como só, e meu vazio era de inveja. Nós, mulheres, não temos nada que se compare!