sábado, 15 de dezembro de 2007

ARTIGOS ESCRITOS POR CHICO BUARQUE - 004

Chico Buarque
O Pasquim - 1969

Hair

O cantor Chico Buarque sempre foi um jovem moderado. Nos tempos de estudante não pichava o muro. Quando muito fazia pipi no muro. Suas primeiras canções de protesto eram acolhidas complacentemente nos salões. E seus cabelos eram curtos, o que lhe valia a consideração dos homens de bem. Recentemente, estando na Itália sem fazer nada, o cantor Chico Buarque deixou crescer todos os pelos para ver que bicho que dava. No começo só dava coceira na barba. Aos poucos foi dando um bode ou outro. O jornaleiro que parou de dizer buongiorno, o fruteiro que passou a atendê-lo por último e o bar-man que deixou de apreciar o futebol brasileiro. No restaurante escondiam Chico Buarque atrás da coluna e o jantar chegava sempre frio. Sua nota de mil liras era examinada contra a luz.

Aí já era culpa do cabelo que crescia exageradamente em todas as direções, contrariando a ordem estabelecida. Quando Nixon visitou Roma um amigo de Chico advertiu: “Se você sai na rua com esse cabelo os homens te pegam firme.” Diante disso o nosso moderado artista plantou-se em casa à espera de algum contrato de trabalho. O trabalho agora se tornava mais difícil porque, segundo o empresário, Chico Buarque já não pertencia ao catálogo de cantores de cabelo curto e, por outro lado, não sabia tocar guitarra elétrica. Restava voltar ao Brasil, mas com que cabelo? Cortar ou não cortar, a questão assumia proporções dramáticas. Algo como: fazer o programa do Chacrinha ou o do Flávio Cavalcanti?
Mirando-se no espelho, repetia o cantor: corte-o ou deixe-o. Os cabelos curtos são aconselháveis à saúde nos climas tórridos e mesmo temperados. Mas os cabeludos são mais simpáticos que os não. Corte-o ou deixe-o? Enfim, Chico Buarque optou por uma solução moderada: cabelos curtos mas barba, ainda que rente. Por causa do calor entenda-se. E porque ele não é Leão. E porque é chato ter que explicar tudo uma porção de vezes. Mas a filha de Chico Buarque, coitada, que ainda é pequena e não sabe de nada, ao vê-lo voltar do barbeiro de cabelos comportados, levou um susto horrível, chorou sete noites e sete dias, e nunca mais falou com ele.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Coletânea de trilhas do Almodovar



Quem curte a filmografia do diretor espanhol Pedro Almodovar vai gostar de saber que ele acaba de lançar um CD duplo com muitas das canções de filmes como Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, Fale com Ela, Volver, entre outros.

Distribuído pela EMI, o álbum Almdovar BSO reúne 29 faixas com interpretações de Elis Regina, Caetano Veloso, Olga Guillot, Bernarda e Fernanda de Utrera, Eartha Kitt e La Lupe.

Lembrando: os brasileiros estão presentes na trilha de Hable con Ella (Fale com Ela. Caetano canta “Cucurrucucú Paloma”, do disco Fina Estampa ao Vivo (1995), e Elis canta “Por Toda a Minha Vida”, do disco Elis & Tom (1974),acompanhada pelo maestro soberano Tom Jobim acompanha Elis ao piano.

POR QUEM MEUS FILHOS TORCEM

Jornal A Tarde – 17/Outubro/2005
Luiz Botelho



Por influência do meu pai e dos meus irmãos mais velhos, sou torcedor do Bahia desde pequenininho. A partir dos meus 15 anos, quando a Fonte Nova foi ampliada e reinaugurada em 1971, comecei a acompanhar os jogos do Bahia diretamente do Estádio, o que só fez crescer em mim essa paixão pelo Tricolor de Aço, tantos momentos bons passei ali.

Porém, na década de 80, quando eu me casei e meus três filhos nasceram, aos poucos, fui dividindo essa paixão por meu clube com a minha nova família e, quando me dei conta, me vi afastado da Fonte Nova, principalmente quando me mudei para um bairro distante do estádio, em 1984.

Mesmo assim, tentei de todas as formas influenciar meus filhos a torcerem pelo Bahia, mas, infelizmente, não obtive êxito. Meu filho mais velho (que chegou a ser mascote do Bahia) e minha filha do meio tornaram-se torcedores do Vitória, provavelmente motivados pela pequena supremacia regional e um relativo sucesso nacional, com a conquista de um vice-campeonato brasileiro, justamente quando eles tinham uma idade que já não pegava bem ficar “virando folha”.

A minha filha caçula é a única que hoje em dia, moderadamente, ainda torce pelo Bahia, embora, há alguns anos atrás, após o Tricolor sofrer mais uma goleada do Vitória no Barradão, e não suportando mais as gozações dos irmãos mais velhos, ela tenha me dito: - Pai, eu torço pelo Bahia, mas quando eu crescer vou torcer pelo Vitória, viu?

Espero que ela tão cedo não perceba que já cresceu!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

ARTIGOS ESCRITOS POR CHICO BUARQUE - 003

Última Hora - 09/Dezembro/1968
Chico Buarque de Hollanda
Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha


Estava mal chegando a São Paulo, quando um repórter me provocou: “Mas como, Chico, mais um samba? Você não acha que isso já está superado?” Não tive tempo de me defender ou de atacar os outros, coisa que anda muito em voga. Já era hora de enfrentar o dragão, como diz o Tom. Enfrentar as luzes, os cartazes, e a platéia, onde distingui um caro colega regendo um coro pra frente, de franca oposição. Fiquei um pouco desconcertado pela atitude do meu amigo, um homem sabidamente isento de preconceitos. Foi-se o tempo em que ele me censurava amargamente, numa roda revolucionária, pelo meu desinteresse em participar de uma passeata cívica contra a guitarra elétrica. Nunca tive nada contra esse instrumento, como nada tenho contra o tamborim. O importante é ter Mutantes e Martinho da Vila no mesmo palco.Mas, como eu ia dizendo, estava voltando da Europa e de sua música estereotipada, onde samba, toada etc. são ritmos virgens para seus melhores músicos, indecifráveis para seus cérebros eletrônicos. “Só tenho uma opção, confessou-me um italiano - sangue novo ou a antimúsica. Veja, os Beatles, foram à Índia...” Donde se conclui como precipitada a opinião, entre nós, de que estaria morto o nosso ritmo, o lirismo e a malícia, a malevolência. É certo que se deve romper com as estruturas. Mas a música brasileira, ao contrário de outras artes, já traz dentro de si os elementos de renovação. Não se trata de defender a tradição, família ou propriedade de ninguém. Mas foi com o samba que João Gilberto rompeu as estruturas da nossa canção. E se o rompimento não foi universal, culpa é do brasileiro, que não tem vocação pra exportar coisa alguma. Quanto a festival, acho justo que estejam todos ansiosos por um primeiro prêmio. Mas não é bom usar de qualquer recurso, nem se deve correr com estrondo atrás do sucesso, senão ele se assusta e foge logo. E não precisa dar muito tempo para se perceber “que nem toda loucura é genial, como nem toda lucidez é velha.”

Miedo (parte I)

Composição: Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis

http://www.youtube.com/watch?v=mLpjmVsW-is

Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienem miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienem miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tienem miedo de subir y miedo de bajar
Tienem miedo de la noche y miedo del azul
Tienem miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da

El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor

Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá

Tenho medo de acender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como un laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar

Tienem miedo de reir y miedo de llorar
Tienem miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienem miedo de decir y miedo de escuchar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tenho medo de parar e medo de avançar
Tenho medo de amarrar e medo de quebrar
Tenho medo de exigir e medo de deixar
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma sombra que o temor não desvia
O medo é uma armadilha que pegou o amor
O medo é uma chave, que apagou a vida
O medo é uma brecha que fez crescer a dor

El miedo es una raya que separa el mundo
El miedo es una casa donde nadie va
El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
El miedo es una fuerza que me impide andar

Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha
Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo

Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão

Medo de fechar a cara, medo de encarar
Medo de calar a boca, medo de escutar
Medo de passar a perna, medo de cair
Medo de fazer de conta, medo de dormir
Medo de se arrepender, medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez

Medo de fugir da raia na hora H
Medo de morrer na praia depois de beber o mar
Medo... que dá medo do medo que dá
Miedo... que da miedo del miedo que da

Chapeuzinho Amarelo (ou Medo - parte II)


Considero Chapeuzinho Amarelo - texto de Chico Buarque e ilustrações de Ziraldo - um livro-poema, de 1979, básico na estante das crianças.

Mas que também se apresenta como indispensável leitura para alguns adultos.
Para mim, funciona como uma resposta à postagem anterior, da música do Lenine. E sempre que começo a me sentir com o que chamo de angústia indefinida (ou medode sei-lá-o que) eu volto a consultar o texto do livro . Tem
serventia garantida em caso de recaída.



Para quem não conhece ou já não lembra, eis o texto integral e algumas imagens, extraídos do site do Chico (www.chicobuarque.com.br). Fica também como dica de presente às crianças neste Natal.


Era Chapeuzinho Amarelo. Amarelada de tanto medo. Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho. Já não ria. Em festa, não aparecia. Não subia escada nem descia. Não estava resfriada mas tossia. Ouvia conto de fada e estremecia. Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.



T
inha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra. E nunca apanhava sol Porque tinha medo de sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar. Não tomava sopa pra não ensopar. Não tomava banho pra não descolar. Não falava nada pra não engasgar. Não ficava em pé com medo de cair. Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.


E
ra Chapeuzinho Amarelo

E de todos os medos que tinha o medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO. Um LOBO que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de teia de aranha, numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do LOBO nem existia.

Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO. Um lobo que não existia.



E
Chapeuzinho Amarelo,
de tanto pensar no LOBO, de tanto sonhar com LOBO, de tanto esperar o LOBO, um dia topou com ele que era assim: carão de LOBO, olhão de LOBO, jeitão de LOBO e principalmente um bocão tão grande que era capaz de comer duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa.


O lobo ficou chateado de ver aquela menina olhando pra cara dele, só que sem o medo dele. Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco azedo, porque um lobo, tirado o medo, É um arremedo de lobo É feito um lobo sem pelo Lobo pelado. Mas o engraçado é que, assim que encontrou o LOBO, a Chapeuzinho Amarelo foi perdendo aquele medo, o medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO. Foi passando aquele medo do medo que tinha do LOBO. Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo. Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.

O lobo ficou chateado.
E ele gritou: sou um LOBO!

Mas a Chapeuzinho, nada!. E ele gritou: sou um LOBO!
Chapeuzinho deu risada. E ele berrou: Eu sou um LOBO!!! Chapeuzinho, já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa.

Ele então gritou bem forte
aquele seu nome de LOBO umas vinte e cinco vezes, que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem não estava falando: LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO-

Aí,
Chapeuzinho encheu e disse : "Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!" E o lobo parado assim do jeito que o lobo estava já não era mais um LO-BO Era um BO_LO. Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo da Chapeuzim. Com medo de ser comido com vela e tudo, inteirim. LO-BO-LO-BO

Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo, porque sempre preferiu de chocolate. Aliás, ela agora, come de tudo, menos sola de sapato. Não tem mais medo de chuva nem foge de carrapato. Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato, trepa em árvore rouba fruta, depois joga amarelinha com o primo da vizinha com a filha do jornaleiro com a sobrinha da madrinha e o neto do sapateiro.

Mesmo quando está sozinha,
inventa uma brincadeira. E transforma em companheiro cada medo que ela tinha: o raio virou orrái, barata é tabará, a bruxa virou xabru e o diabo bodiá.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

DIÁRIO DE BORDO No 1 - Data Estelar 11.12.2007

Um certo marciano carioca de pele esverdeada pela ausência de sol falou sobre a verdade das previsões dos horóscopos. A selenita paulistana de pele alvíssima pelo excesso de banhos de lua foi pesquisar o assunto. Captou o seguinte relato:


O meu horóscopo diz no jornal que terei maior “folga de grana” - assim mesmo, nesse semi-assassinato da língua – porque (explico sobre o termo “folga da grana”, já que o semi-assassinato se dá por motivos amplamente pessoais do assassino e nem discuto isso, credo!) tem mais dinheiro circulando no mercado, e isso o fará chegar até meus bolsos. Fico eufórica pois preciso de algumas coisas, muitas coisinhas e poucas coisonas novas e, todas elas, custam reais. Imediatamente pego o bloco de rascunho e faço várias listas de compras. Abro mentalmente a porta de cada armário da casa, vou rebuscando no fundo da mente as carências desses lugares por coisas. Nossa! Estou carente de tudo, desde o cotonete para o armário do banheiro ao feijão para o armário da cozinha. Descubro, apavorada, que faltam os botões escuros e retrozes de linhas claras, agulhas mais finas e alfinetes, tudo para a gaveta das coisinhas de costurar. Os alfinetes são imprescindíveis. Como fazer a barra da cortina da sala .... e percebo que minhas listas defendem, com vigor de candidato político, a precisão de cortinas, inclusive a da sala. Então é preciso colocar cortinas, presilhas e puxadores. Sabão em pó para a máquina de lavar, xampu para o suporte do box e sabonete para o cachorro, ou o contrário?
Tristeza imensa! As minhas panelas envelheceram e nem notei, talvez porque não as use, mas, coloco-as, empilhadinhas, num item da lista para a pia da cozinha. O fogão recebe a atenção das formas de bolo e pão, fósforos e um bulezinho para o café para todas as madrugadas. Como pude viver sem formas de pão? Como fiz o pão? Não o fiz e aí a lista de livros de culinárias me alerta a inexistência de nenhum sobre pães salgados ou mesmo os doces. Anoto tudinho. O bloco de rascunho se esgota. Imagine quanto dinheiro vou precisar para tanto! Nem me preocupo porque o horóscopo diz que tem muito dele girando por aí e que boa parte está rumando para a minha vida. Listas e listas que fiz, coloco-as em ordem alfabética e as prendo com um prendedor enorme, daqueles que tem um sapo enfeitando. Anoto a compra de uma grande bolsa para acomodar minhas listas. E também blocos de rascunhos porque não se sabe quando novas listas acontecerão. Tenho que dormir cedo. Vou ter que andar por aí e ali até conseguir comprar tudo o que minhas listas ditam. Será cansativo, mas na lista da sapateira tem chinelinhos macios e, na do toalete, sais relaxantes de banho. Na lista das coisas para a cama, um lençol de seda e colcha bem felpuda. Anotado!
O dia surge com chuviscos. Tem guarda-chuva na lista dos apetrechos de sobrevivência urbana? Levanto pensando no novo aparelho de café que vou ter e no sofá onde vou me esparramar. Encontro o jornal do dia. Abro suas páginas e procuro saber em que quilômetro está o dinheiro circulador. Está se aproximando? Não acho. Ué? Cadê? Não devia ter notícias dele? Afinal, com tanta circulação, deve ter causado ventarolas de montão, levantado algumas saias desavisadas e arrancado bonés mal encaixados, despenteando e arruinando obras da arte capilar contemporânea! Nenhuma notinha sobre o tal. As listas estão me olhando fixamente, cobrando providências e, como tenho pavor da revolta de coisas inanimadas, pego a carteira e tiro o parco conteúdo. Anoto numa nova lista e consulto o saldo bancário (precário). Somo. Não dá nem para comprar os novos blocos.
As listas que me desculpem, mas tratem de tirar satisfações com o tal “mercado” onde circula o dinheiro que não arrombou (nem arranhou) a porta de casa. Eu, por mim, vou lastimar o chinelinho macio que não vou ter, mas, o relaxante terei sim. Ah! Terei as mãos macias de algodão de quem é feito de seda e paixão. Vamos dar risadas. Isso é o importante. Aproveito apenas a lista dos vinhos que fiz para a prateleira do bar. Das músicas, escolho uma daquelas nossas, que temos há séculos. Depois? Que tal lermos o horóscopo novo? Não! Melhor a previsão do tempo! Vai dar praia ou não? Pouco importa.

Resposta da Selenita para o Marciano
“Quem não encontra o seu chão, faz seu castelo no ar.”
GINGADO DOBRADO - Cacaso/Edu Lobo

Transposição do Velho Chico

Estou há 60 km de distância de Sobradinho/BA, cidade onde o Frei Luiz escolheu prá fazer a sua segunda greve de fome, contra a transposição do rio, tendo feito a primeira greve, que durou 11 dias, no ano de 2005. Na ocasião, o presidente Lula se comprometeu a não ir mais adiante com esse projeto. Dois anos depois, ele, como tem se tornado de praxe, não cumpre com as promessas de campanha e começa os trabalhos do projeto.
O que é pior... parece não conhecer a realidade do rio, que ao longo de mais de 500 anos vem sendo assoriado, devido o desmatamento das suas margens, e devido a esse assoriamento, muitos trechos do rio que eram navegáveis, hoje não o são mais. Dentre tantas outras agressões que sofre ao longo do tempo e de todo seu curso. Quem não lembra da viagem que ele fez, a bordo de uma embarcação, da nascente a foz desse rio no ano de 1999 (não tenho certeza do ano).
Diferente do que eles dizem, esse projeto vai atender grandes latifundiários e projetos de irrigação, onde por por sua vez, nenhum pequeno agricultor, que deveriam ser o alvo de atendimento do mesmo, têm condição de manter seus lotes devido o alto custo dessa água... resultando o abandono desses lotes ou indo parar nas mãos dos grandes latifundiários.
Enquanto eles gastam milhões na transposição, milhares de famílias morrem de sede há menos de 5 km de distância da beira do rio, pq não realizar projetos sérios, onde essas mesmas famílias possam ser atendidas? Onde essas famílias possam aprender a conviver com a caatinga? Para que essas famílias não se exponham ao exodo rural, expondo suas filhas a todo tipo de exploração, e seus filhos a marginalidade?
Deixo prá vcs o endereço onde podem ter maiores informações sobre o assunto...
http://www.umavidapelavida.com.br/manifestacoes.asp

ARTIGOS ESCRITOS SOBRE CHICO BUARQUE - 002

Jornal do Brasil - 26/Junho/1971

Clarice Lispector

Xico Buark me visita


Essa grafia. Xico Buark, foi inventada por Millôr Fernandes, numa noite no Antonio’s. Gostei como quando eu brincava com palavras em criança. Quanto ao Chico, apenas sorriu um sorriso duplo : um por achar engraçado, outro mecânico e tristonho de quem foi aniquilado pela fama. Se Xico Buark não combina com a figura pura e um pouco melancólica de Chico, combina com a qualidade que ele tem de deixar os outros o chamarem e ele vir, com a capacidade que tem de sorrir conservando muitas vezes os olhos verdes abertos e sem riso. Não é um garoto, mas se existisse no reino animal um bicho pensativo e belo e eternamente jovem que se chamasse garoto, Francisco Buarque de Holanda seria dessa raça montanhosa.

Gostei tanto de Chico que o convidei para a minha casa. Com simplicidade ele aceitou.

Apareceu perto das quatro da tarde : naquele tempo, às cinco horas tinha uma lição de música com Vilma Graça, e havia um ano que estava estudando Teoria Musical, para depois estudar piano.

Quantos momentos decisivos na sua vida, é muito moço para saber se eram de fato decisivos esses momentos, se no final das contas contaram ou não. Nasceu com a estrela na testa : tudo lhe correu fácil e natural como um riacho de roça. Para ele, criar não é muito laborioso. Às vezes está procurando criar alguma coisa e dorme pensando nisso, acorda pensando nisso - e nada. Em geral cansa e desiste. No outro dia a coisa estoura e qualquer pessoa pensaria que era gratuita, nascida naquele momento. Mas essa explosão vem do trabalho anterior inconsciente e aparentemente negativo.

O problema lhe interessa: fez-me várias perguntas sobre meu modo de trabalhar. Eu lhe disse: “Você, apesar de rapaz que veio de cidade grande e de uma família erudita, dá impressão de que se deslumbrou ao mesmo tempo em que deslumbra os outros com sua fala particular: já se habituou ao sucesso? Dá impressão de que você se deslumbrou com as próprias capacidades, entrou numa roda-viva e ainda não pôs os pés no chão”.

Chico acha que tem cara de bobo porque suas reações são muito lentas, mas que no fundo é um vivo. Só que pôr os pés no chão no sentido prático o atrapalha um pouco. Acha que o sucesso faz parte dessas coisas exteriores que não contribuem em nada para ele:

A pessoa tem sua vaidade, alegra-se, mas isso não é importante. Importante é aquele sofrimento de quem procura buscar e achar. Hoje, disse-me, acordei com um sofrimento de vazio danado porque ontem terminei um trabalho.

Falamos do processo de criar de Vila-Lobos e ele contou uma frase dele dita a Tom Jobim: Vila-Lobos estava um dia trabalhando em sua casa e havia uma balbúrdia danada em volta. O Tom perguntou: “Como é, maestro, isso não atrapalha?” Ele respondeu: “O ouvido de fora não tem nada a ver com o ouvido de dentro.” E isso Chico invejava. Também gostaria de não ter prazo para entrega das músicas, e de não fazer sucesso: ele é interrompido nas ruas e nas ruas mesmo é obrigado a dar autógrafos.

Chico tem um ar de bom rapaz , esses que todas as mães com filhas casadoiras gostariam de ter como genro. Esses ar de bom rapaz vem da bondade misturada com bom humor, melancolia e honestidade. Tem o ar crédulo, mas diz que não é, é apenas muito preguiçoso.

Claro que gostou quando o maestro Isaac Karabtchevsky dirigiu a banda no Teatro Municipal, mas o que lhe interessa mesmo é criar. Desde pequeno faz versinhos. Pedi-lhe que fizesse assim de improviso um versinho e que, para pô-lo à vontade, eu esperaria na copa. Daí minutos Chico chamou, rindo: Como Clarice pedisse / Um versinho que eu não disse / Me dei mal / Ficou lá dentro esperando / Mas deixou meu olho olhando / Com cara de Juízo Final.

Perguntei-lhe se já experimentara sentir-se em solidão ou se sua vida tinha sempre esse brilho justificável. Eu aconselhei que de vez em quando ficasse sozinho, senão seria submergido, pois até o amor excessivo dos outros podia submergir uma pessoa. Ele concordou e disse que sempre que podia dava suas retiradas.

Logo que entrou para Arquitetura, quando começou a trocar a régua pelo violão, a coisa parecia vagabundagem mas depois a família se conformou.

Estava em fase de procura e no dia anterior acabara um trabalho que era só de música, que exigia prazo. Mas para uma canção nova estava sempre disponível. A coisa mais importante para Chico é trabalho e amor, e, como indivíduo, quer exatamente ter a liberdade para trabalhar e amar. De brincadeira perguntei-lhe o que era amor. “Não sei definir”, disse-me, “e você?” “Nem eu”, respondi.

Só o Álcool Salva

.
" Antes morrer de cirrose
do que o tédio "
Maiakovsky adaptado ao húngaro

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

ARTIGOS ESCRITOS SOBRE CHICO BUARQUE - 001

Correio da Manhã, 14/Outubro/1966
Carlos Drummond de Andrade


O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.

A ordem, meus manos e desconhecidos meus, é abrir a janela, abrir não, escancará-la, é subir ao terraço como fez o velho que era fraco mas subiu assim mesmo, é correr à rua no rastro da meninada, e ver e ouvir a banda que passa. Viva a música, viva o sopro de amor que a música e banda vem trazendo, Chico Buarque de Hollanda à frente, e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando-nos da confiança perdida nos homens e suas promessas, da perda dos sonhos que o desamor puiu e fixou, e que são agora como o paletó roído de traça, a pele escarificada de onde fugiu a beleza, o pó no ar, na falta de ar.

A felicidade geral com que foi recebida essa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a idéia de como andávamos precisando de amor. Pois a banda não vem entoando marchas militares, dobrados de guerra. Não convida a matar o inimigo, ela não tem inimigos, nem a festejar com uma pirâmide de camélias e discursos as conquistas da violência. Esta banda é de amor, prefere rasgar corações, na receita do sábio maestro Anacleto Medeiros, fazendo penetrar neles o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente, como explicou um velho e imortal especialista português nessas matérias cordiais.

Meu partido está tomado. Não da ARENA nem do MDB, sou desse partido congregacional e superior às classificações de emergência, que encontra na banda o remédio, a angra, o roteiro, a solução. Ele não obedece a cálculos da conveniência momentânea, não admite cassações nem acomodações para evitá-las, e principalmente não é um partido, mas o desejo, a vontade de compreender pelo amor, e de amar pela compreensão.Se uma banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e provoca até o aparecimento da lua cheia no céu confuso e soturno, crivado de signos ameaçadores, é porque há uma beleza generosa e solidária na banda, há uma indicação clara para todos os que têm responsabilidade de mandar e os que são mandados, os que estão contando dinheiro e os que não o têm para contar e muito menos para gastar, os espertos e os zangados, os vingadores e os ressentidos, os ambiciosos e todos, mas todos os etcéteras que eu poderia alinhar aqui se dispusesse da página inteira. Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floresçam. E não se limitam ao jardinzinho particular de afetos que cobre a área de nossa vida particular: abrange terreno infinito, nas relações humanas, no país como entidade social carente de amor, no universo-mundo onde a voz do Papa soa como uma trompa longínqua, chamando o velho fraco, a mocinha feia, o homem sério, o faroleiro... todos que viram a banda passar, e por uns minutos se sentiram melhores. E se o que era doce acabou, depois que a banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicalizar a alma da gente.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

À primeira vista

Há bastante tempo, trago comigo uma grande frustração em relação à música: nasci e cresci tendo-a como companheira de todas as horas e, nesses 33 anos de vida, o máximo que consegui aprender foi saber diferenciar a boa da ruim. E, em se tratando dela (da boa, claro!), me considero extremamente reacionária. Me pergunte de qual banda ou cantor(a) dessa nova (e minha!) geração eu gosto, e ouvirá como resposta: mas se nem sei quem são!

Nunca encontrei motivos para tal rebeldia; simplesmente, e sem motivo aparente, me recuso a tentar ao menos conhecê-los. Buscando resposta, penso: seria influência do meu pai? Acredito que sim, já que, "coincidentemente", minhas duas últimas grandes paixões chegaram aos meus ouvidos atráves de suas mãos: Chico César e Cássia Eller.
Então, depois de pensar muito sobre o que escrever aqui no blog, resolvi falar do meu encantamento por esse paraibano tão doce quanto doido, tão revolucionário quanto careta.
Quando conheci "Aos Vivos" - seu primeiro CD - já sabia que seria amor eterno e incondicional. E a prova maior disso foi que me entusiasmei tanto a ponto de ter coragem de presentear meu ex-sogro - um cara completamente alheio à boa música e reacionário em TODOS os sentidos - com um exemplar. Imaginei que, sendo o Chiquinho um artista tão encantador, seria a chance de fazer com que o Sr. Orlando se rendesse à música de qualidade. Ingênuidade minha. O namoro com o filho dele acabou seis anos depois e o CD continuou ali, intacto, ainda plastificado.

Em mim, a revolução estava feita. Depois de muito ouvir Elis, Tom, Edu, Milton, Bethania, Caetano e Gal, consegui desfocar do time fechado dos craques e me aproximar de um baixinho que estava tentando sair do banco de reserva. Um cara que também batia um bolão e finalmente estava conseguindo jogar, nem que fosse por dez minutinhos ao final do segundo tempo.
Depois do primeiro disco vieram outros, cada um mostrando uma faceta diferente do meu neguinho. E com o estádio vazio ou lotado, em dia de chuva ou de sol, sozinha ou acompanhada, lá estou eu, presente em todos os shows do Chiquinho, menos naqueles feitos em outros estados e fora do país - como Japão, Itália, Alemanha, França etc -, é claro.
Desde "Aos Vivos" até "De uns tempos pra cá" (o último e na minha opinião, o melhor), compartilho com vocês um pouquinho de Francisco César Gonçalves, cantor, compositor, escritor e jornalista brasileiro, nascido em Catolé do Rocha, aos 26 dias de janeiro de 1964.
Mulher eu sei
Eu sei como pisar no coração de uma mulher
Já fui mulher eu sei
Já fui mulher eu sei
Para pisar no coração de uma mulher
Basta calçar um coturno
Com os pés de anjo noturno
Para pisar no coração de uma mulher
Sapatilhas de arame
O balé belo infame
Eu sei como pisar no coração de uma mulher
Já fui mulher eu sei
Já fui mulher eu sei
Para pisar no coração de uma mulher
Alpercatas de aço
O amoroso cangaço
Para pisar no coração de uma mulher
Pés descalços sem pele
Um passo que a revele
Já fui mulher eu sei

Respeitem meus cabelos, brancos
Chegou a hora de falar
Vamos ser francos
Pois quando um preto fala
O branco cala ou deixa a sala
Com veludo nos tamancos
Cabelo veio da áfrica
Junto com meus santos
Benguelas, zulus, gêges
Rebolos, bundos, bantos
Batuques, toques, mandingas
Danças, tranças, cantos
Respeitem meus cabelos, brancos
Se eu quero pixaim, deixa
Se eu quero enrolar, deixa
Se eu quero colorir, deixa
Se eu quero assanhar, deixa
Deixa, deixa a madeixa balançar

Papo Cabeça
Cabeça cortada de lampião
Miolo esmagado de trotsky
Bandeja servindo batista
Na festa indigesta prá são joão
Papo cabeça
Papo cabeça
Papo cabeça
Cabeça de prego: martelo
Cabeça de vento: ilusão
Cabeça de homem: chapéu
De mulher: xale, coque ou véu
Cabeça de compasso: tempo
Cabeça do grupo: opressor
Cabeça de negro ou turco: chá e preconceito
Cabeça do pênis: glande, felátio, condon
Gente cabeça: amigos e presunção
Papo cabeça
Papo cabeça
Papo cabeça
Suja: nenhum xampu lavará
Limpa: ausência de idéia ou malícia
Fresca: calma
Muito fresca: socialite
Quente: confusão
Para por cocar, se orientar
Capacete, barrete, filá
As idéias em ordem: repensar
Quebrar a cabeça: reflexão e tesão
Pro sangue ter prá onde subir
Pro porrete saber onde descer
Pro monge tibetano meditar: zen
Prá onde o gesto vai a cabeça foi
Mas já vem
Papo cabeça
Papo cabeça
Papo cabeça

E tantas, tantas outras! Infelizmente não há espaço suficiente para colocar tudo o que tenho vontade, aqui. Finalizo, então, deixando um convite para que vocês conheçam uma das minhas grandes paixões: http://www2.uol.com.br/chicocesar/
Lá, vocês irão descobrir que ele já publicou também um livro de poesias. Uma ótima sugestão para quem estiver pensando no que me dar de presente de Natal! :-)

domingo, 9 de dezembro de 2007

COMO DESCOBRI CHICO BUARQUE

Luiz Botelho
Abril/2006


Quase todas as pessoas que me conhece sabe o quanto eu admiro a obra musical e teatral de Chico Buarque. Em 1966, quando ele venceu o II Festival de Música Popular Brasileira com a música “A Banda” e se tornou conhecido nacionalmente, eu, com apenas 10 anos de idade, ainda não tinha um interesse musical definido. Dos quatro elepês que Chico gravou entre 1966 e 1969, nenhuma música despertou minha atenção na época de seus lançamentos. Não me dei conta também, em 1970, da famosa canção “Apesar de Você”, cujo compacto vendeu 100.000 cópias em uma semana, até ser censurada e proibida sua execução pela Ditadura Militar. A primeira música de Chico que eu aprendi a cantar integralmente foi “Construção”, lançada em 1971, que fez muito sucesso, sendo bastante executada nas estações de rádio, mas, devo confessar, naquela época a minha música favorita tinha o seguinte refrão: “Eu te amo meu Brasil / Eu te amo / Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil / Eu te amo meu Brasil / Eu te amo / Ninguém segura a juventude do Brasil” – Estava totalmente alheio ao que ocorria no meu país.

Ao ingressar na Universidade, no curso de Engenharia Civil, em 1975, recebi um convite do Movimento Estudantil, junto com os demais calouros, para participar de uma reunião na Escola Politécnica, onde se dariam as boas-vindas aos novos universitários. Compareci ao encontro não tanto pelo Movimento Estudantil em si, mas pela oportunidade de ter acesso à minha escola, o que só era permitido a partir do 3º semestre naquela época. Pois foi justamente nesta reunião que eu descobri definitivamente Chico Buarque. Os estudantes estavam preparando um manifesto, para ser distribuído durante uma passeata que estava sendo organizada, e nele havia um texto que me tocou profundamente. Era tão bonito que eu quis saber qual dos colegas o tinha escrito. Um dos veteranos, que eu conheci naquele dia e começamos ali mesmo uma amizade após ele ter me confundido com meu irmão, seu colega, que era muito parecido comigo, me disse que o poema era de Chico Buarque e me emprestou, neste mesmo dia, o livro “Gota d’Água” do qual o texto foi copiado e que dizia: “Eles pensam que a maré vai mas nunca volta. Até agora eles estavam comandando o meu destino e eu fui, fui, fui, fui recuando, recolhendo fúrias. Hoje sou onda solta e tão forte quanto eles me imaginam fraca. Quando eles virem invertida a correnteza, quero saber se eles resistem à surpresa, quero ver como eles reagem à ressaca”.

Fiquei encantado com o livro e fui na livraria comprar um outro, sobre a peça “Calabar, o Elogio da Traição”, de Chico e Ruy Guerra, cuja apresentação teatral tinha sido proibida pela censura militar, segundo informação do meu novo amigo. Ao mesmo tempo peguei emprestado do meu irmão mais velho os três primeiros discos de Chico e gravei as músicas em fitas cassete. Fui ainda nas casas de discos e comprei outros elepês e compactos de Chico que consegui encontrar e começou deste modo uma paixão que perdura até hoje.

Poucos calouros compareceram àquela reunião com os veteranos. Fico feliz por ter sido um deles. Nunca tive coragem suficiente para participar ativamente do Movimento Estudantil, mas sempre admirei àqueles que reagiam, não se conformando com o cerceamento da liberdade, assim como fizeram Chico Buarque e este meu amigo, cada um do seu jeito. Com relação ao livro emprestado, não lembro a razão de nunca o ter devolvido, pois por alguns anos mantive contato regular com o seu antigo dono. Já faz muito tempo que não o vejo ou tenho notícias dele, mas guardo com carinho este livro (valorizado por conter sua assinatura) que foi o marco zero da minha paixão pela obra de Chico Buarque.