sábado, 19 de janeiro de 2008

CHICO, VINICIUS E TOM







Caique Botkay
Achados, Editora Nova Fronteira, 2002




Chico Buarque é compositor, escritor, cantor e, principalmente, tricolor. Uma antiga lembrança me remete à casa do “irmão” Octavio de Souza Dantas, quando, aos dezesseis anos, pedi ao Chico, que lá almoçava, um autógrafo para minha primeira namorada, Ivone. Ele escreveu: “Querida Ivone, lhe mando um abraço pelo telefone.” Trinta e cinco anos depois, neste ano de 2002, fez o mesmo para uma jovem, Ana Claudia, em quem meu filho Henrique, de dezesseis anos, estava de olho.

Mas a melhor foi quando fui assistir ao ensaio geral de um show dele no Palace, de São Paulo, há uns três anos. Meu filho Bernardo (ver jovens Poetas) estava em vias de uma cirurgia muito séria. Para aliviar a tensão, levei-o ao tal ensaio. E Chico, sabendo da história, ao terminar a primeira música virou-se para nós, na imensa platéia vazia, e falou ao microfone: “E aí, garotão, o som está bom?” Bernardo olhou-me com os olhos arregalados e eu disse: “Ele está falando contigo mesmo, não tem mais ninguém aqui.” Bernardo timidamente levantou o polegar em sinal de aprovação e a passagem de som continuou. Ao final, Chico convidou-nos a ir ao seu camarim, onde batemos um bom papo, só nós três. Durante muito tempo não se falou ou pensou em doença. E até hoje Bernardo e eu lembramos muito mais desse fato do que do hospital.

Georgiana e Luciana, filhas de Vinicius, embarcaram carinhosamente no projeto e me deram toda a força. Saravá. E lembro que, nos anos 60, minha irmã Mônica, então com uns 19 aninhos, linda como é até hoje, foi encarregada de entrevistar o Poetinha no Antonio's, para alguma nebulosa matéria. Nossa mãe, fã confessa de Vinicius mas também conhecedora de sua fama de conquistador, incumbiu-me de escoltá-la - apesar de meus protestos, porque eu queria mais era jogar bola, lá pelos meus 15 anos. Mas hoje compreendo perfeitamente: era uma medida preventiva das mais sensatas na época, em se tratando do Vinicius.
E, fechando a trilogia, vamos tratar do Maestro Tom Jobim. Logo de início, considero uma acertada decisão batizar o aeroporto internacional do Rio de janeiro com seu nome. Não somente pela grandiosidade de Tom, mas principalmente pela analogia que me salta aos olhos: aeroporto, por definição, é local que guarda e cuida de aviões, que é como chamamos as mais belas mulheres de Ipanema e adjacências. Justiça histórica.

Outra historinha: estava eu, há alguns anos, almoçando no Plataforma com um amigo muito especial, daqueles de todas as horas, chamado Plínio Cutait. Paulista, é também um excelente músico. E eis que Plínio interrompe uma garfada, fica olhando fixamente para uma outra mesa e diz, fervorosamente: “Eu não sabia que Deus usa chapéu, freqüenta churrascarias e gosta de chope.” Olhava embevecido, é lógico, para Tom Jobim.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Por ser amor, invade e fim *


Que Felipe um dia perdoe minha indiscrição de mãe, mas contar o causo da sua primeira paixão é irresistível.

Ele tem apenas sete anos e há meses dá bandeira que “gosta” de uma amiguinha da classe. Mas, reservado, não deixa que se fale muito sobre o tema. Vez por outra eu arrisco indagar “quem é a menina mais bonita da sala”, mas ouço um rápido e indignado “não vou falar” de um rostinho afogueado. E costumo respeitar sua privacidade, salvo um e outro deslize, como este agora.


Confesso meu constante estranhamento às rápidas mudanças que acometem Felipe (que hão de continuar), simbolizada no momento por um enorme sorriso de pouquíssimos dentes. Mas essa cena de amor foi ímpar para uma mãe de primeira viagem. Há alguns meses vinha percebendo o nome de uma garota, em especial, nas nossas longas prosas sobre os amigos da escola. Não demorou muito e logo ele me perguntou se poderíamos convidá-la para brincar aqui em casa. Confirmada a visita para o final de semana seguinte, deu-se o que chamo de surto apaixonado no moleque. E pelo resto da semana só se ouvia falar na garota ou no domingo que parecia nunca chegar.

Nada que vi e ouvi por esses dias, no entanto, chegou perto do que presenciei no dia da visita, ou melhor, no DIA DA VISITA. A ansiedade era tanta que, mal acordou, ele já estava na janela da sala me perguntando as horas. “Ela só vem às 11h30, filho, e ainda são 9h”. O quarto parecia ter perdido a graça e mesmo com a TV ligada, a cada 30 segundos, ele olhava desolado pela janela do quarto andar. Quanto mais eu o assistia, menos acreditava na emoção que ele estava sentindo daquela idade.

Momentos de tensão às 11h30. “Ninguém” na portaria do prédio, vigiada com olhos de águia da nossa janela. E as suas temerosas dúvidas foram reveladas, em trocentas perguntas:

  • Será que ela vem mesmo?

  • Vai demorar muito ainda?

  • Quando ela vai chegar?

  • O que será que aconteceu?


Tive de disfarçar o sorriso ao comparar a cena do meu fiho com o que acontece com qualquer marmanjo adulto, quando se vê enredado pela paixão, e marca um primeiro encontro. Inevitável a comparação. E lembrei de um livro que nos tempos de universidade morava na minha cabeceira para frequentes consultas – Fragmentos de um Discurso Amoroso (Roland Barthes) - que descreve diversas situações a que se submete inconscientemente o apaixonado, um ser solitário e atormentado em sua própria angústia.

Para amenizar a agonia do meu amado filho, lá fui eu consultar a mãe da menina: atraso de uma hora. Ao contar, vi um par de olhos arregalados e deseperados, um rosto ardendo em brasa. Uma aflição medonha, como diria o poeta.Em um dos trechos do livro, o autor descreve essa agonia da espera, a insegurança e a sensação de que o tempo pára junto com a gente para esperar também.

Conversei com Felipe e aproveitei o momento para reforçar o discurso da paciência, explicar que de nada adiantava ficar tão ansioso porque era preciso esperar. Blábláblá. Mas, ao notar os olhos lacrimenjantes, o coração disparado, a mão completamente suada e o provável torcicolo de tanto olhar para a portaria la embaixo, resolvi abandonar o meu discurso inútil e simplesmente abraçá-lo e tentar apenas distraí-lo com outro assunto de seu grande interesse: o mundo dos desenhos animados. Ganhei bons minutos e um respirar menos agonizante.


Eis que, enfim, ela chegou! E nada mais pareceu ter importância.


Posso dizer que é verdadeiramente inconfundível o olhar do apaixonado, mesmo que se tenha apenas sete anos. Desde que a garota entrou no apartamento, o meu filho parecia outro, um ser meio letárgico, abduzido, enfeitiçado, hipnotizado, encantado: apaixonado, enfim. E eu, atordoada, não cansava de me perguntar: como pode isso?! Ele é só uma criança!

Passei a relembrar e cantarolar baixinho algumas canções, que considero ter o dom de traduzir um e outro desses sentimentos perturbadores em nossas almas apaixonadas.


Pétala (Djavan)

"Por ser exato o amor não cabe em si.
Por ser encantado, o amor revela-se.
Por ser amor, invade e fim."


Cupido (Claudio Lins), cantada por Maria Rita

Foi só por um segundo
Todo o tempo do mundo
E o mundo todo se perdeu”


Sonho real (Lô Borges e Ronaldo Bastos)

À primeira vista
A paixão não tem defesa
Tem de ser um grande artista
Pra querer se segurar
Faz tremer a perna
Faz a bela virar fera
Quando alguém que a gente espera
Quer se chegar”


Voltando ao rebento, na tarde de observação que se seguiu, tudo girava em torno das preferências da garota. Desde mostrar TODOS os brinquedos do quarto, trocar de brincadeiras ao menor sinal de desinteresse da moça, oferecer balas e bombons todo o tempo, assistir de bom grado a um desenho que antes considerava sem graça ou simplesmente se deixar flagrar várias vezes com o olhar perdido na menina. Ele nada falou à garota e nem devia ter consciência da própria emoção, claro, mas ela estava ali, bem visível.

Não sei se é comum passar por isso na condição de pais, mas achei tudo muito estranho. Projetei a cena num futuro não muito distante e me vi acompanhando de longe o sofrimento adolescente e adulto das paixões mal resolvidas que surgirão na vida meu filho. Mais tarde, resignada no papel de espectadora, relaxei. E passei a me divertir observando como se comporta um legítimo apaixonado na sua essência. Próximo ao final da visita, novamente reconheci o jeito nervoso e arfante que, embora disfarçado, não continha a ansiedade em meu filho. O encanto da abóbora estava por acabar e era necessário voltar ao mundo real. Suspiros. Um olhar meio perdido, meio triste, meio cansado de quem antevê o breve futuro. Tudo faz parte.

E mal a menina saiu, vi meu filho adormecer placidamente no sofá da sala, ou melhor seria desmaiar? A emoção fora tanta naquela tarde que ele apagou minutos depois que a mocinha saiu. No dia seguinte, mãe indiscreta e cínica, saquei algumas perguntas do tipo “o que você achou do dia de ontem, filho?” Respondido com um curtíssimo “foi bom”. Teimosa e insistente, continuei:“foi bom como? Que parte do dia você gostou mais? Ela agora é sua melhor amiga? E o meu discreto filho, rapidamente silenciou-me, dizendo: “mãe, você é muito curiosa! Eu não vou falar sobre isso!” E logo tratou de esconder a timidez sob o travesseiro. Não o amolei mais (naquele dia). Eram merecidos o devido respeito e a privacidade.

Só espero que - bem mais tarde, por muito tempo - ele lembre desse dia memorável da sua infância. Para mim, certamente, foi. Abençoados os que têm histórias de amor para viver e contar.

* escrito originalmente no final de 2006

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

HUMOR

O ladrão avança em silêncio pela casa.
- Jesus está vendo você – diz uma voz.
O ladrão se detém, apavorado. Olha ao redor em desespero. Num canto escuro, avista uma gaiola com um papagaio dentro e pergunta à ave:
- Foi você quem disse que Jesus está me vendo?
- Foi – responde o papagaio.
O ladrão suspira aliviado e pergunta:
- Qual é o seu nome?
- Moisés.
- Que nome ridículo para um papagaio. Quem foi o idiota que pôs esse nome em você?
- O mesmo que pôs o nome de Jesus no rottweiler.

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Um casal chega ao consultório de um terapeuta sexual. O médico pergunta:
-O que posso fazer por vocês?
- O senhor poderia ver a gente transando? – pergunta o homem.
Espantado, o médico concorda. Quando a transa termina, dá o veredicto:
- Não há nada de errado na maneira como vocês fazem sexo. A consulta custa 70 reais. Boa tarde! – informa o terapeuta.
A cena se repete por várias semanas. O casal marca um horário, faz sexo sem nenhum problema, paga a consulta e deixa o consultório. Finalmente o médico resolve perguntar:
- Afinal o que vocês estão tentando descobrir?
- Olha, não estamos tentando descobrir nada. O problema é que ela é casada e por isso eu não posso ir até a casa dela; eu também sou casado e ela não pode ir até a minha casa. Num motel um quarto custa 120 reais. Em outro custa 100. Aqui nós transamos por 70, sou reembolsado em 42 reais pelo plano de saúde e ainda abato no Imposto de Renda como despesa médica.

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- Mamãe, mamãe, na escola me chamaram de dentuço!
- Não ligue para eles, meu filho. E feche a boca que está riscando o chão.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

QUARTA POÉTICA




Ingratos
Dom Pedro II

Não maldigo o rigor da iníqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dois passos só estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contínua felicidade
E amanhã nem um bem que nos conforte.

Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,

É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs - outrora.


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Terra do Brasil
Dom Pedro II

Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.

Perdida é para mim toda a esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra; e neste creio
Brando será meu sono e sem tardança...

Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo da memória,
Ó doce Pátria, sonharei contigo!

E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

A MÚSICA DE GURDJIEFF

Na visão de Gurdjieff, a música - como outras ciências tradicionais - deve, acima de tudo, servir para conduzir a humanidade a um despertar. Muito do que ouvimos, contudo, é música "subjetiva". Não apenas ela flui do estado subjetivo do compositor, mas ela afeta cada ouvinte de acordo com o estado subjetivo no qual, por acaso, ele se encontra.




Infinitamente mais rara é a música "objetiva", que requer um conhecimento objetivo da natureza humana, mais especificamente, da função e propriedades do sentimento e de como o sentimento é afetado pela "qualidade" específica de cada vibração. A música objetiva afeta todas as pessoas da mesma maneira. Ela não só toca os sentimentos como os transforma, trazendo o ouvinte a um estado unificado ou "harmonioso" dentro de si mesmo e, dessa maneira, a uma nova relação com o Universo que é em si um campo de vibrações. De acordo com Gurdjieff, a escala musical de sete-notas expressa uma lei cósmica fundamental, a "Lei da Oitava", que governa o desenvolvimento das vibrações, o fluxo de energia, em todos os fenômenos no Universo.



Foi no Château du Prieuré em Fontainebleau, perto de Paris que Gurdjieff e de Hartmann trabalharam juntos a música para os Movimentos e outras composições. Gurdjieff atuava como a fonte e guia, e de Hartmann desenvolvia os temas e transcrevia as peças em sua forma definitiva. À noite, de Hartmann tocava a música na presença de Gurdjieff, dos alunos e dos convidados.













Do livreto: The Music of Gurdjieff/De Hartmann



Para maiores informações sobre o Trabalho de Gurdjieff clique no link abaixo:

http://www.gurdjieff.org.br/default.htm

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O encontro esperado com Chico Buarque


Eric Nepomuceno
Estado de São Paulo - 1997


Os dois conversaram sobre música, futebol e caipirinha num restaurante carioca

A esta altura, o Brasil instalou-se de vez na lista de países que aprenderam a reconhecer no chileno Antonio Skármeta um autor de êxito. Sua rápida passagem de três dias pelo Rio de Janeiro acabou de eliminar qualquer dúvida que o próprio Skármeta eventualmente pudesse ter a esse respeito. O lançamento de seu novo livro - os contos de Não Foi Nada - atraiu dezenas de leitores nas duas sessões de autógrafos realizadas na Bienal do Livro, sábado e domingo. E o romance O Carteiro e o Poeta já ultrapassou há muito, e com folga, a marca de vendas que dá direito a um autor ser considerado um best seller no Brasil.

Nesta sua segunda passagem pelo Rio no último ano e meio, Skármeta veio com Nora, sua mulher alemã de cabelos louríssimos e olhos azuis. Os dois puderam realizar uma antiga aspiração: conhecer Chico Buarque. Uns poucos telefonemas envolvendo um amigo dos dois cruzaram a cordilheira nas vésperas da viagem de Skármeta, e na noite de sábado, o encontro enfim aconteceu. Chico havia abandonado seu refúgio de Petrópolis, onde trata de compor as músicas para seu novo disco, e às 20h30 em ponto chegou ao restaurante Arlecchino, em Ipanema. Skármeta e a mulher chegaram dez minutos depois. Foi como um encontro de velhos conhecidos. E todo o êxito de O Carteiro e o Poeta não impediu que o escritor chileno se confessasse, de saída, um admirador ardoroso.

“Eu estava no exílio, na Alemanha, e um dos pontos que me aproximou de Nora foi o fato de ela ter quase todos os seus discos”, contou rindo a Chico Buarque. “Aliás, acho que agora já posso confessar que, além de meu interesse por ela, havia outro muito forte: sua coleção de seus discos...”

Ao contrário do que poderia esperar num encontro desse tipo, quase não falamos de literatura: a conversa girou ao redor da estranha mania que os brasileiros têm, de tomar caipirinha feita com vodca (“Não entendo isso”, protestou Nora, e Skármeta ameaçou um discurso de defesa radical da cachaça). Depois, falou-se de futebol e literatura: Skármeta queria saber se existe uma literatura forte no Brasil, tendo o futebol como tema. Espantou-se com as nossas respostas: não conseguimos recordar nada além de peças soltas, algumas de altíssima qualidade. Foram mencionados poemas de João Cabral de Melo Neto e Vinícius de Morais, e contos de Sérgio Sant’Anna, Rubem Fonseca, João Antônio e Fernando Sabino. Assim como quem pisa terreno perigoso, Skármeta arriscou:

- Eu sei, Chico, que você gosta de futebol. E qual o time do qual você mais gosta?

A resposta veio envolta num sorriso de indisfarçável orgulho:

- Eu tenho um time de futebol, o Politheama. Mas também torço pelo Fluminense.

A curiosidade do chileno concentrou-se em alguns aspectos da relação entre escritores e futebol. Por que será que ao contrário do que ocorre entre os músicos há tão poucos escritores que jogam futebol? O primeiro exemplo saltou em uníssono: Albert Camus. Chico vetou, enfático:

- Ele não era jogador de futebol: era goleiro. E goleiro não é jogador de futebol. Aqui no Brasil, quando a garotada joga, sobra para o gol quem é perna-de-pau. Aliás, até as meninas jogam no gol.

- Chico, você joga em que posição?

- Todas. Menos a de goleiro.

Skármeta bem que tentou defender os goleiros. Foi fulminado por uma pergunta marota:

- E você, joga em que posição?

A resposta veio cabisbaixa:

- Goleiro.

Chico arrematou, cheio de orgulho, com um silêncio piedoso.

A polêmica parou por aí. Até o fim da noitada, Skármeta não tornou a mencionar o tema. Teve tempo, em todo caso, de conversar sobre como era a censura no Brasil, sobre o método de escrita e de perguntar muito pelo processo político brasileiro. Falou-se de vinhos, de viagens, de comidas prediletas. A convite de Chico Buarque, fomos todos ao show de uma eletrizante Elba Ramalho, no Canecão. Na saída, Skármeta quis saber: “Ninguém desliga essa moça da tomada?”

Já na madrugada, no terraço lá de casa, vendo o contorno grave do Corcovado e a luz iluminando o Cristo Redentor, a conversa continuou, como entre velhos conhecidos. E aí foi a vez de Chico Buarque confessar, um tanto encabulado:

- Nos últimos 53 anos, não estive no Chile nenhuma vez.

Skármeta, é claro, entendeu. O convite veio de bate pronto. Só falta marcar a data.

domingo, 13 de janeiro de 2008

HISTÓRIAS DO FUTEBOL BAIANO

LUIZ BOTELHO

1912 – UM CAMPEONATO CHEIO DE INDISCIPLINA

O ano de 1912 foi o ano fatídico da Liga Bahiana de Sports Terrestres. A indisciplina campeou e raro os jogos em que não terminavam em sururus, muitos dos quais com conseqüências lamentáveis. Os casos na entidade eram quase que diários. Ninguém se entendia. A politicalha campeou e a indisciplina deu cabo da primeira entidade que se fundou na Bahia e que tão auspiciosamente se iniciou no Campo da Pólvora. Note-se entretanto que dessa entidade só fazia parte rapazes finos e educados, na sua maioria estudantes e empregados do alto comércio.

Um jornal da época, descrevendo um dos jogos do campeonato, assim se externou: “Infelizmente, mais uma vez, lamentamos os fatos que se passam no Rio Vermelho em quase todos os jogos. Até já parece que isso faz parte do programa do campeonato deste ano. Outro dia numa partida entre os clubes Bahia e Atlético deu-se o vergonhoso incidente de que já tratamos; no penúltimo jogo, entre os clubes Vitória e São Salvador, houve novos incidentes que reservamos para tratar em outra ocasião que agora chega; e no último, reproduziu-se o fato de caráter sério. E no pé em que vai queira Deus, não tenhamos de lamentar resultado mais funesto e mais triste. Lamentamos tanto porque nesses incidentes em que jogadores e árbitros são agredidos e insultados ou se engalfinham, há sempre sacamento de revólveres e mesmos tiros. O que não pode, nem deve, é continuar no curso em que vai a fiscalização do Campo do Rio Vermelho; se ali existe o policiamento indispensável, ele é imperfeito; se no campo há um representante da Liga, um Juiz, ele não se faz impor e assim torna-se necessário que o Sr. Chefe de Polícia mande um Delegado aos domingos assistir aos jogos de futebol para garantia dos que ali procuram um divertimento”.