segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Depoimentos sobre Chico Buarque - 005

Zuenir Ventura

Release da Polygram para o LP Meus caros amigos – 1976


Ele não é apenas um extraordinário artista popular. É o mais significativo gesto cultural deixado pela geração que por volta de 1964 tinha 20 anos e começava a aparecer.

De todos eles, compositores e cantores, Chico foi quem melhor soube aproveitar as dificuldades e desafios de uma época para instaurar uma estética, elaborar uma estilística e forjar uma estratégia próprias para, com elas, construir uma obra que, pela qualidade e pela quantidade, dificilmente encontra paralelo mesmo nas outras artes do país.
(...) Do Tropicalismo até os dias atuais, a nossa cultura perdeu-se em desvios, freqüentou vazios e desceu aos subterrâneos da irracionalidade e da evasão. Muitos não resistiram. Sem ser o único, Chico no entanto será talvez o mais completo símbolo de resistência desses tempos. O que lhe custou essa luta em defesa da dignidade de seu canto, só seus silêncios forçados podem dizer. (...) O que Chico rejeita, com base na sua experiência presente, é o voluntarismo apressado e onipotente. A este, ele opõe a lucidez de quem sabe que cada um age segundo suas possibilidades e de acordo com as ferramentas de que dispõe - no seu caso a canção. (...) Chico não é o cantor de promessas vãs, mas o firme cantor da esperança. Talvez por isso a sua estratégia de resistência cultural, mesmo reconhecendo as próprias limitações, não se tenha conformado em aceitar a tentação quietista de uma “estética do silêncio” ou do “viez” ou do “desvio” ou da “omissão” ou da “adesão”, que estiverem tão em moda. Em lugar destas e no estreito espaço que lhe restou, ele criou uma “estética do possível” capaz de, em tempos de interdição, construir uma obra que resiste a qualquer tempo. Conjugando alguns dos mais ricos encontros já havidos entre poesia e melodia - Construção, Olê, Olá, Roda Viva, Noite dos Mascarados, Tem mais Samba, Sonho de um Carnaval, etc, etc.- a obra de Chico tem tantos momentos de genialidade, que se descobre ser ela sozinha uma antologia da nossa música popular.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Depoimentos sobre Chico Buarque - 004

José Nêumanne
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, poeta e escritor
Ave & vate

Antes que o cordial cidadão brasileiro Francisco Buarque de Hollanda se despeça do público paulistano no Palace em mais um de seus esporádicos, mas também magníficos shows, este imodesto e certamente intrometido escriba pede vênia para tecer considerações esparsas sobre uma página que Mauro Dias produziu no Caderno 2 do Estado sobre a letra de “Construção”.

A página tinha duas importantes motivações. A primeira era o chamado gancho jornalístico. Durante muito tempo, “Construção” só pôde ser ouvida no arranjo original (assinado por Rogério Duprat), mercê dos óbvios predicados deste. Mas no show em fim de temporada nesta desvairada Paulicéia, onde o autor foi criado e estudou arquitetura, este ousou apresentá-la em roupagem nova, também de gala, sob os cuidados de linha e tesoura de Luís Carlos Ramos. Valeu. E basta.

Havia outro motivo, talvez mais relevante: “Construção” é uma definitiva obra-prima da música brasileira. Figura ao lado de “Ô Abre Alas”, “O Teu Cabelo não Nega”, “Feitiço da Vila”, “Aquarela do Brasil”, “Carinhoso”, “Desafinado” e “Águas de Março” como produto antológico, graças, sobretudo, à letra precisa e instigante.

Os convidados de Mauro, todos letristas competentes, deram notáveis contribuições ao entendimento dessa preciosidade retomada pelo autor. Merecem destaque, se não me trai a memória, pois cito ao sabor dela, sua inédita e inusitada estrutura de quebra-cabeça e a ousadia, à Maiakóvsky, de dar um tratamento formal revolucionário a um conteúdo temático rebelde em si mesmo, qual seja a morte de um peão de obras caído do andaime.

Sem ser um especialista, gostaria de chamar a atenção para essa ousadia formal. Chico, o letrista, opera com as dificuldades próprias da língua para entregar ao ouvinte as óbvias facilidades permitidas por seu gênio inventivo. O inglês é a língua da poesia (e sobretudo dos poemas orais e das letras, as lyrics, de canções), por ser predominantemente um idioma constituído por palavras de poucas sílabas, muitas monossilábicas, o que facilita a distribuição das tônicas, que dão aos versos o ritmo que lhes cabe. Ao traduzir poemas de W. B. Yeats e do padre Gerard Manley Hopkins, pude vislumbrar as dificuldades de encontrar ritmos semelhantes em nosso universo vocabular, com presença maior de polissílabos e, por isso mesmo, maior freqüência de sílabas átonas.

Poetas da superfície chorarão sobre a sofisticação rítmica necessária para escandir os vocábulos que Camões burilou. Não Chico, poeta afeito ao ar rarefeito dos píncaros. Ele vai além e explora a riqueza semântica da composição de versos com polissílabos, radicalizando a dificuldade rítmica com o uso de vocábulos proparoxítonos. A letra de “Construção” chama atenção exatamente pela proliferação de rimas internas (talvez fosse o caso de defini-las como íntimas) nas últimas palavras dos versos.

Uma contradição em termos? E também um achado primoroso. Afinal, ela não cumpriria sua intenção de narrar – e denunciar, sem discursar, mas apenas relatando – o acidente de trabalho como um quebra-cabeças, se seu autor não tivesse tanta habilidade para explorar as nuances rítmicas que só os proparoxítonos peculiares às flores do Lácio permitem.

E assim, mexida a colher, este poeta da planície saúda a ave-vate (vôte), ora alçando vôo para outras paragens, mas sempre em busca de pouso em ninhos verbais que só seu talento alado sabe tecer.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Depoimentos sobre Chico Buarque - 003

Rosiska Darcy de Oliveira
Escritora e Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 1999.

MAIS VELHO? TALVEZ...Aliás, certamente, embora, para nós que temos vinte anos há muitos anos, Chico seja sempre um guri. Mas o rosto de bronze é de um homem que sua, sofre e ri. Chico no palco outra vez. Que alívio. Chico está aí. Traz na voz as emoções melhores que já tivemos e as oferece, de novo, com a doçura de quem nos estende a mão.

Há tantos anos eu não ouvia a “Construção”. “Construção” que se atravessou na minha garganta como um tijolo desde os anos setenta. Não podia, não queria. Uma espécie de silêncio sagrado cercava em mim esse que é um dos mais belos poemas da língua portuguesa, meus olhos “embotados de cimento e lágrima”.

“Construção” foi o mais sólido desenho mágico de Chico, não apenas na poesia, na perfeição em cada andar dos versos, mas na arquitetura da vida de um homem que chega aos cinqüenta anos cercado de um amor e de um respeito comoventes.

Só quem o viu atravessar a avenida, “o Chico das artes, o gênio, poeta Buarque, boêmio”, carregado pela voz do povo e a bateria da Mangueira, chapéu de malandro e sorriso de lorde, só quem o viu voltar três vezes à cena do Canecão, sob as luzes diáfanas de Ney Matogrosso, colhendo os aplausos dos colegas de todos os ramos de arte que, de pé, o consagravam, só os que viram ou podem imaginar saberão que ali estava o que há de melhor em nós. Foi isso que Chico construiu. Construiu-se a si mesmo como um emblema de dignidade.

Construiu-nos a nós também. Há trinta anos, violão em punho, seresteiro nato, nos contando tudo aquilo que já sabemos, o amor, as mulheres, o desejo, a dor, mas sem pudor, próximo de cada um como um melhor amigo, aquele a quem se conta “o que dá dentro da gente que não devia”, “o que não tem governo nem nunca terá”, “o que não tem juízo”.

Construiu uma grande amizade nacional em torno dele, uma confraria de milhões, uma linguagem, expressões que são de todos os brasileiros, que permeiam as frases como citação ou como referências, senhas que sabemos que os outros entenderão. Um dia ouvi de um homem ferido pelo amor infeliz, citando a música, a pergunta sucinta: “O que é isso, quem brincava de princesa acostumou na fantasia?”. O drama desfez-se e juntos fomos em dueto até o fim da canção, a favorita e o mestre-sala. O que Chico melhor fez e faz é manter vivos os sonhos.

Nesse começo de ano sombrio, em que os ternos e as gravatas escuras ocupam páginas inteiras dos jornais crivados de más notícias, que bem faz esse homem solar, vestido de branco como convém ao verão carioca, lembrando ao Brasil as suas cidades, tantas, seus rostos tão diversos, suas raças misturadas, seus denominadores comuns, seu maestro companheiro, seu Antônio Brasileiro. Trazendo à vida os mortos queridos: Antônio Brasileiro de Almeida Jobim.

Não o conheço pessoalmente. Há anos descemos juntos em um elevador no Hotel L’Abbaye, em Paris, onde ambos costumávamos nos hospedar. Cumprimentei-o com a discrição com que trato as pessoas públicas em situação privada. Mas pensei, cá comigo, que calava um agradecimento que tinha na garganta.

Se não disse no elevador, por timidez e respeito, digo agora e de público. Chico, sou-lhe muito grata pelo bem que você faz ao Brasil, pelas alegrias que nos deu e que nos dá. E, por isso, em ritmo de “Construção”, finalizo: pela noitada acordada para melhor lhe ouvir, por essas horas felizes para relaxar e curtir, por nos fazer respirar, por nos fazer resistir, Deus lhe pague.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Depoimentos sobre Chico Buarque - 002

Walter Silva

Como conheci Chico – 1976

Do particular para o geral, dizem, está a melhor maneira de comunicação. “Pinte a sua aldeia e você será universal” (Tolstoi). Essa, talvez, seja a melhor forma para falar sobre o que sei, penso e acho sobre Chico Buarque de Hollanda, que no meu jornal não deixam sair com dois “l”. Naquela época era “anticomercial” tocar bossa-nova em rádio - aliás por isso mesmo fomos afastados do programa radiofônico de maior audiência em todo o Brasil, “O pick-up do picapau”, que era levado pela Rádio Bandeirantes. Não nos restava outra alternativa a não ser o teatro.

Como os meninos do Centro Acadêmico XI de Agosto já haviam realizado com enorme sucesso “O fino da bossa”, com o qual também colaboramos, a idéia só podia mesmo nos animar. Assim, sem nunca ter entrado na coxia de um teatro, lá fomos nós alugar o Paramount para espetáculos de música brasileira moderna. Apoiados na idéia de usar os centros acadêmicos para divulgar e patrocinar os mesmos, já marcamos para o dia 16 de outubro de 1964 o primeiro deles, que se chamou Mens Sana in Corpore Samba, claro que promovido pelos alunos da Escola de Educação Física do DEFE (Departamento de Educação Física e Esportes). Na primeira parte, amadores com os quais já havíamos tido contato antes em shows beneficentes (como o que ajudamos a produzir para a Associação de Moças e que foi realizado no próprio Paramount, do qual participaram, entre outros, Elis Regina e Silvio César, que faziam uma temporada na boate Djalma’s, na Praça Roosevelt). Esses amadores eram Toquinho, Taiguara, Ivette, Bossa Jazz Trio, Maria Lúcia, César Roldão Vieira e Solano Ribeiro, que na época cantava num conjunto de rock chamado “The Avalons”, mas que na última hora acabou não indo. Na segunda parte participaram Silvinha Telles e conjunto de Roberto Menescal.

Ajudavam a gente na elaboração do espetáculo, além dos estudantes e pessoas de sua família, dois rapazes que eram verdadeiros apaixonados pela coisa. Um deles, Homero Honório Ferreira Filho, é hoje cunhado de Chico Buarque, casado com sua irmã Cristina; o outro, Antônio Márcio Fernandes Costa - ambos de São José do Rio Preto e estudantes universitários. Manoel Barembein, que era divulgador de discos e estudioso de som, cuidava da parte técnica dos shows. Eram os três da mesma idade e transavam muito o barzinho em frente ao Mackenzie, onde se realizavam, na hora do almoço, os conhecidos encontros de samba, chamados “Sambafo”, dos quais fazia parte um tal de “Carioca” - Chico Buarque. Um dia, antes do espetáculo já citado, chega-se a nós o Homerinho e diz:

- Rapaz, você precisa ouvir o “Carioca”, um cara que canta no “Sambafo” do Mackenzie. Ele estuda na FAU e é superengraçado.

- Manda o “Carioca” procurar a gente aqui no teatro, dissemos nós.

E já no dia seguinte estava lá o moço com ar de tímido, mas com uma cara de malandro encoberto que dizia tudo sobre ele e suas intenções. Devia ter, no máximo, uns 19 anos. Tocava muito mal violão e tanto melódica e como harmonicamente nada tinha que ver com o que nos propúnhamos. Além de segurar o bordão com o polegar da mão esquerda, não tinha nada de atraente como ritmista e melodista. Em compensação suas letras eram de uma força incrível e apesar dela, ou por isso mesmo, sua cara de sonso comunicava muito. Começou a freqüentar a casa da gente como os demais e num curto espaço de tempo já era líder da turma. Todos queriam cantar suas composições. Não raro aparecia às 10 horas da manhã, com aquela cara de quem não dormiu nada e bebeu muito. Vinha num Aero-Willys bordô, daqueles bem desbotados, e ia entrando com decisão e pontaria. O barzinho era seu alvo, depois o sofá e em seguida o violão. Cantava, tocava e pouco falava ou discutia. Marcava sempre sua presença por tiradas de muito humor e inteligência e de imediato sabia-se que estava acima dos demais que com ele começavam. Tinha uma resposta irônica para tudo e a cada instante, denotando uma experiência muito grande para seus poucos quase vinte anos. Entrosava-se muito com Maria Lúcia, que era a mais extrovertida do grupo e que adorava cantar suas músicas. Um dia, num show que levamos na Hebraica, Chico e Maria Lúcia cantaram juntos “Primavera”, de Carlos Lyra e Vinícius, da peça “Pobre menina rica”.

Já que formavam um par jovem muito bonito, usamos o aspecto físico dos dois e os colocamos cada um numa extremidade do palco, sentados no chão e com as pernas balançando para fora, de frente para a platéia. O número saiu lindo e os aplausos maiores foram para os dois, embora naquela noite homenageássemos outro autor novo que conosco caminhava, o Adilson Godoy.

A idéia de lançar todas ou o maior número possível de músicas de um só autor dos jovens deu certo naquela noite e animou-nos a fazer o mesmo com Chico já no show seguinte, cujo nome era 1ª Denti-Samba e, como o trocadilho infame já denuncia, era dos alunos da Faculdade de Odontologia. Durante toda a primeira parte, os amadores só cantaram músicas de Chico Buarque, algumas das quais jamais regravadas ou lançadas por ele, como, por exemplo, “Malandro quando morre”. “Malandro quando morre vira samba / mulher vira uma flor no céu”, que foi muito bem interpretada por Maria Lúcia. O show dessa primeira parte, escrito por nós, chamava-se Sambairro e defendia o direito de todos serem bairristas. “Some-se depois esse bairrismo todo e teremos um imenso universalismo.” Na segunda parte do espetáculo, explodia Elis Regina com o Copa-Trio (Salvador, Dom Um Romão e Gusmão). Casa supercheia e paletós jogados para cima numa histérica maneira de aplaudir, não mais vista nos últimos onze anos.

Chico cantou quatro músicas e seus colegas amadores desfilaram quase todo o repertório do “Carioca”. O maior sucesso da noite foi “Marcha para um dia de sol”, que nós sugerimos que se transformasse em “João XXIII”. “Eu quero ver um dia / numa só canção / o pobre e o rico andando mão e mão / que nada falte, que nada sobre / o pão do rico / o pão do pobre...” A platéia, toda feita de jovens que já sabiam do Chico, cantou junto e quase vira carnaval. Ao final do espetáculo, o compositor e psiquiatra Roberto Freire enxugava as lágrimas e dizia:

- Menino, algo está começando. Algo está começando... E estava mesmo. Começava ali uma das mais importantes carreiras artísticas de toda a história de nossa música popular. Começava ali o ciclo Chico Buarque.

No mês seguinte, novembro de 1964, estudantes de um ginásio de Campinas marcaram um show para sua cidade, realizado no Cine Ouro Verde. Seria no dia 23 de dezembro, dois dias, portanto, antes do Natal. Para participar desse show, os amadores também seriam pagos. Cada um receberia a importância de 50 cruzeiros, que, aliás, não foi paga para a maioria, uma vez que os meninos de Campinas deram um tremendo cano. Só uma parte da turma recebeu. Para alguns profissionais tivemos que dar um cheque, coisa que não agradou o pessoal. Houve até um que, por não receber no dia marcado, levou pro protesto. Tudo bem. Os profissionais que participaram do espetáculo de Campinas foram Pedrinho Mattar, Oscar Castro Neves, Alaíde Costa, Paulinho Nogueira, entre outros. Mas foi Chico Buarque quem chamou a atenção da maioria das pessoas presentes. Contente com o primeiro cachê resolveu, junto com seu inseparável amigo “Barão”, ir passar o Natal em Borborema, pequenina cidade próxima a São Carlos. Aproveitou o táxi que nos levaria a Rio Preto e parou na Praça de São Carlos, junto com “Barão”, tocando violão, cantando e bebendo tudo. Chico sempre teve um só compromisso: consigo mesmo. Era de uma independência total e dono de seus atos. Quem quisesse se enturmar, que se enturmasse com ele, pois ele não se enturmava com ninguém.

Veio o dia em que Chico gravou seu primeiro disco. A RGE, que cedia todo o seu equipamento de som para os nossos shows no Paramount, resolveu atender ao nosso pedido mais do que insistente para que se gravasse com o pessoal novo que estava sendo lançado. Por muito favor José Scatena, dono da gravadora, achou uma hora livre e cedeu-nos o estúdio “B” de sua gravadora. O “A” já era ruim, imaginem o “B”. Uma sala diminuta, onde havia uma mesinha para locutor, uma cadeira e um microfone. Só isso. Somando tudo não dava mais de 4 metros quadrados. Com o pé sobre a cadeira e tocando violão, assim foi feita a primeira gravação de Chico Buarque: “Pedro pedreiro”, um dos seus muitos sucessos nos shows do Paramount.

Depois veio o festival da Record e com ele “A banda”. Nessa ocasião uma importante passagem: o 1° lugar ficara com o Chico, mas ele exigiu que fosse dividido com o Vandré e sua “Disparada”. No dia da apresentação da “Banda”, às 5 da tarde, mais ou menos, Chico assinou contrato de edição de sua música com a Fermata. Testemunhas, Manoel Barembein e Glorinha Moreira. A edição de Enrique Lebendiger ganhou seu maior sucesso até hoje.
Antes desse dia, levamos Chico e César Roldão Vieira, a pedido de Lebendiger, para editar suas músicas naquela editora. Como ambos estavam “duros”, Lebendiger deu a cada um 250 cruzeiros. Eles, que pensavam que uns 30 estariam muito bem, saíram doidos com tanto dinheiro que acabavam de ganhar como adiantamento de seus futuros direitos. Também contente, Lebendiger fez-nos sócios de uma editora que recebeu o nome de M.B.M. (Música Brasileira Moderna). Como nunca entendemos do assunto, duros, vendemos nossa parte ao sócio-editor meses depois por 10 milhões (antigos). Foi uma festa. Antes tivéssemos ouvido os conselhos de Chico de Assis e de José Roy, que, na porta da editora nos pediam para desfazer o negócio, uma vez que só no carnaval a gravação de “A banda” nos daria mais de trezentos milhões (antigos). Não acreditamos e ainda fomos vítima de uma intriga feita, não se sabe por quem, que nos separou de Chico Buarque por sete anos. Nunca mais nos falamos, até que um dia, ou melhor, numa noite, depois de um show pelo circuito universitário no Tuca, em pleno Restaurante Gigetto, sentimos um tapa nas costas. Era ele que nos cumprimentava e nos abraçava. E ambos, sentimentalóides como todo brasileiro, nos pusemos a chorar, sem perguntas, sem respostas. Acompanhamos suas atuações à distância. Sentimos o quanto ele evoluiu e fez evoluir nossa música popular. O quanto de importante ele representa e representou para a formação de nossa cultura popular urbana. Chico Buarque, o “Carioca” da FAU, é universal porque soube cantar e pintar sua aldeia. Tolstoi estava certo.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Depoimentos sobre Chico Buarque - 001

José Celso Martinez Corrêa
Publicada no programa original da peça Roda Viva


O que você acha de Chico Buarque autor? "Roda viva" pode ser chamado de um passo gigante para quem inicia?

Zé Celso - Não acredito hoje em dia em separação de gêneros de arte - teatro aqui, cinema lá, etc. Hoje tudo se mistura numa única linguagem impura e mista de comunicação, em que vale tudo. A arte toda, forma um emaranhado que se apresenta como um repertório de formas e signos a serem utilizados para comunicar o artista de hoje, principalmente no Brasil, se tem o que comunicar pode entrar por todas as linguagens e gêneros que quiser. No teatro, então, isto é particularmente óbvio. O teatro, como representação de uma ação vital, parte do princípio que tudo é representável, assim eu poderia muito bem em vez de montar "Roda viva" estar montando "A banda". "A banda" é uma canção que pode ser um filme, uma peça, um quadro, dependendo da re-leitura para embarcar em qualquer um desses gêneros. Neste sentido Chico não se inicia no teatro, mas sim usa de uma linguagem mais próxima do teatro para comunicar-se. Sua peça é uma música, é cinema, é conto, enfim, é uma forma de expressão e de opção perante as coisas de Chico Buarque de Hollanda. E é óbvio que pelo nível de relação que ele conseguiu estabelecer com o público, pelo nível de sua arte, de sua linguagem, sua peça testemunha uma força comunicativa de suas músicas. Neste sentido não é um passo gigante para um caminho de realização de autor teatral, nem creio que Chico pretenda isso, mas um passo na conquista da expressão de toda a estética com seu público. Amanhã ele poderá fazer um filme ou uma novela, por que não? E estará dando seu passo na realização de sua obra de criação.

Se a peça fosse de um Benedito qualquer você acreditaria igualmente no sucesso?

Zé Celso - Claro que sim. Tanto assim que acredito que ela vai não somente corresponder, mas ultrapassar a expectativa. O público vai conhecer os outros rostos de Chico. O que aliás é normal, pois é muito cedo para Chico ser uma imagem coagulada e definitiva. Mas evidentemente que o caso da peça se tratar de um material de Chico Buarque, o sucesso crescerá. Não somente pelo aspecto mais evidente da popularidade de Chico, como também pelo fato de dizer respeito à matéria que interessa a todo o público brasileiro. Aliás eu aceitei dirigir a peça por isso. Talvez sinceramente não tivesse o mesmo empenho se fosse de outro autor. Mas como diretor, que oportunidade rara para optar e me manifestar sobre este material que é o fenômeno Chico e seu público! Meu estímulo para o espetáculo foi poder como diretor de teatro da minha geração lidar com um material mais consumido da minha geração. Mesmo se eu detestasse a peça e o Chico, eu seria uma besta de perder a oportunidade de trabalhar com esta matéria nas mãos. Neste sentido acho que a peça será de imenso sucesso, pois ela trata de um fenômeno nacional. Estes fenômenos estão aí para serem expostos pra jambar, pra serem analisados, elucidados e sentidos.

Você há de concordar que os principais nomes do elenco são pouco conhecidos em São Paulo. Você acredita que só o nome de Chico levará o público necessário, ou acredita mais na montagem da peça?

Zé Celso - Faz já um bom tempo que os nomes vedetes somente afastam o público invés de trazê-lo ao teatro. Eu estou trabalhando com uma equipe sensacional - treze atores recém saídos do Conservatório, sem qualquer ranço teatral, trazendo para cena uma vitalidade nova e uma verdade humana mais recente para os palcos - eles fazem o coro, dançam, cantam, representam, e duvido que qualquer elenco autômato e edulcorado da Broadway conseguiria: é um coro ultra-brasileiro, na base da violência de expressão, do anti-charme cafono da Broadway e que compensa em inteligência e garra tudo o que falta em técnica: são geniais e porraloucas! Depois, trabalho com cinco atores da nova geração, é só por que eu quero. Eles com sua visão mais agressiva de sua relação com o público vão transmitir fluidos positivos para o público e irão atraí-los às pampas, mesmo que for para sacudi-los no seu marasmo e na sua apatia. Agora é claro que o Chico vai trazer sua multidão para o teatro, mas esta multidão vai se dobrar em contato com o espetáculo, ou se dividir ao meio, o que é possível também. Quanto ao fato de acreditar mais na peça que na montagem, isto não existe. Para mim é tudo uma coisa só, como expressão única, nunca consigo separar uma coisa da outra. No momento em que, como diretor, eu releio o texto do autor, este passa a ser meu texto e o que encontro no texto, ou a propósito do texto, passa a ser do autor, é uma objeção em si do espetáculo - nem do Chico, nem meu, nem do Castilho, que é um ótimo diretor musical, (compositores associados, como diz o Chico), nem do cenógrafo Flávio Império, que vai falar pacas com sua cenografia. O espetáculo é de todos nós.

"Roda-viva" é uma autobiografia de Chico Buarque de Hollanda?

Zé Celso - Não! A não ser em um pequeno trecho do segundo ato. Mas introduz uma nova visão na biografia do Chico. Eu até sugeri que o cartaz da peça fosse o Chico num açougue. Ou os olhos verdes do Chico boiando como dois ovos numa posta de fígado cru. Foi assim que eu vi o Chico do "Roda-viva".

A peça teria condições de fazer sucesso montada em outro país?

Zé Celso - Espero que o Itamarati crie condições para este teste.

Plínio Marcos foi a grande revelação de 67. Você acredita que se o Chico continuar escrevendo poderá ser o Plínio de 68?

Zé Celso - Se a coisa é na base do autor 67, 68, eu estou muito curioso e quero montar o autor 69. Ainda bem que Chico foi lançado este ano. Espero que em 69 seja uma dramaturga.

O assunto do momento: Você aceita - e acha necessário - o palavrão no teatro?

Zé Celso - O palavrão existe no teatro e graças a Deus fora dele também - e as autoridades deveriam prestigiar o palavrão, pois se não fosse ele acho que este regime já teria caído. Como ele hoje em dia no Brasil é necessário no pão nosso de cada dia!! E como ele descarrega!!! Acho que nunca se falou tanto palavrão no Brasil como hoje em dia. Por quê?

Como você situa o teatro brasileiro? Acha que ele poderá sobreviver apesar das crises econômicas, do subdesenvolvimento, da nossa censura e da anunciada falta de público?

Zé Celso - Acho que não. Aliás, não somente o teatro não sobrevive neste país se alguma coisa não modificar. Eu sinto que nossa geração está no limiar: todo o esforço do pessoal de teatro, cinema, etc., está dando com os burros n’água em virtude da situação de crise econômica permanente e progressivo terrorismo cultural. O esforço criador é imenso e a eficiência incrível, super-desenvolvida, maravilhosa, racional. E o esforço que a censura fez para destruir tudo é maior ainda. No setor público é das raras coisas que funcionam neste país e com isso nós todos ou tomamos uma providência séria ou vamos ter uma vergonha imensa de nos encontrarmos uns com os outros. Estou só querendo esconder nossa castração progressiva e triste.

Os chamados donos de teatros estão preferindo montar "shows" musicais onde afirmam gastar menos e ganhar mais. Você aceita este tipo de montagem?

Zé Celso - Eu aceito qualquer tipo de montagem, mas esta história de gastar pouco para ganhar mais não resolve. O negócio é gastar o que for preciso para ganhar muito mesmo.

Por que as peças culturais não fazem sucesso? Nosso público ainda não está preparado para um bom teatro? Nossas montagens podem ser comparadas às melhores do mundo?

Zé Celso - Quem inventou isso de que as peças culturais não fazem sucesso? Talvez esse nome "peça cultural" é que cheirou um pouco mal, deve ser invenção do teatro cafono de Boulevard para destruir o que acabou com ele. Hoje em dia somente fazem sucesso as peças que tenham um sentido de choque cultural. Com a TV à toda a única função do teatro será a de auto-penetração coletiva e discussões de nossas mitologias mais recalcadas e profundas, de nossas neuroses coletivas - e são muitas!!! O teatro tem que exercer a sua função de diálogo cara a cara com o público - e é este encontro que nós brasileiros de classe média nos furtamos a todo momento: que se tem de acontecer que aconteça no teatro.

E novela de televisão - ela esmaga um ator no sentido da palavra, apesar de consagrá-lo junto ao público, como é o caso de vários "canastrões" que foram transformados em ídolos? É a mesma engrenagem da "Roda-viva" do Chico?

Zé Celso - O fato de ser ou não canastrão não importa tanto, talvez ajude um pouco o indivíduo a ser ídolo - um temperamento de ator com uma personalidade mais revolucionária, mais complexa, mais criativa, talvez não servisse, talvez a imagem de uma TV censurada e totalmente comercializada precise mesmo de canastrões - mesmo porque o público médio de TV é ultra-canastrão. Quando não se pretende mais de um indivíduo do que vender-lhe sabonete, acho que mesmo o autor não sendo um canastrão (conheço vários que não são e fazem da TV um meio de vida e são meus amigos) - é conveniente se castrar, esquecer seu estômago e sua cabeça e ser um boneco estúpido, entretanto não creio que o mal seja da novela em si e das comunicações de massa, o problema é o da censura e o da TV existir como veículo de vendas tão somente, sem o menor sentido cultural de diálogo de uma sociedade de massas com seus modelos - os modelos são impostos e fabricados sem nenhum sentido como veículo de consumo: uma sociedade que pode consumir, consome seus cacarecos e muito bem, é o que eles tem que fazer. Mas no Brasil, onde existe todo um esquema de necessidade de revolução social e política, a TV como se estrutura hoje é um ópio do povo. É neste sentido que ela aparece em "Roda viva" - e ela passa a canalizar para seu universo de conformismo todas as revoltas latentes. Assim, no primeiro ato, todo o sentido religioso da TV fornecendo meios de satisfazer misticamente todo o anseio de consumo do povo que não poderá consumir: Bem Silber - o ídolo de prata. O ídolo é devorado e idolatrado enquanto representa aquele membro da comunidade que consome mais que todos. No segundo ato a fossa do ídolo, o drama do ídolo vendido alimenta toda a "fossinha nacional". Finalmente sua revolta política é logo canalizada para a festividade, para a bossa. "Poder Jovem", para a grandiloqüência de sê-lo comemorativo à TV, capitaliza e vende a imagem bossinha e esquerdinha do ídolo, até vender a sua morte. O espetáculo termina com mais mistificação. O "hippie" apalhaçado, importado, o culto da margarida, e terminado o espetáculo - programa de TV, tudo volta ao seu lugar, nada se passa - a banda passa - e tudo continua na mesma, muito barulho por nada.

Por que o teatro sério não fez sucesso na televisão? Culpa do público ou do horário em que eram montados?

Zé Celso - O teatro nunca foi montado seriamente na TV. Na Europa alguns canais que fazem peças dão a mesma importância que dariam se este espetáculo fosse estrear numa casa de espetáculos importante ou como se rodasse um filme. Os ensaios levam o tempo que a peça normalmente exigiria: são feitos cenários, figurinos especiais, música, etc., e a coisa é divulgada com antecedência até o dia em que a peça vai ao ar. Neste dia os receptores captam um espetáculo da qualidade de um bom filme ou de uma peça no teatro e não um improviso como sempre foi o caso na TV brasileira. Eu vi Pequenos burgueses na TV italiana, era um grande espetáculo; o videoteipe italiano depois foi dublado e passou por toda a TV européia, foi um enorme sucesso. É claro que não serve para vender sabonete, pois a peça era tão boa e interessante que o espectador depois dela podia até ficar sem tomar banho uma semana.

Alguém pode viver de teatro no Brasil?

Zé Celso - Eu vivo. Mal, como a maioria do nosso povo, mas vivo.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

O jovem executivo do futebol

Pasquale Cipro Neto afirmou outro dia em seu programa semanal na rádio Cultura: “Vivemos um dos períodos de juventude mais careta da história”, e enfatizou: “Careta de doer”. Chico Buarque, no filme sobre Vinícius de Moraes, disse que não imaginava o poeta vivendo no mundo atual, pois ele era um “desvairado” (ou algo assim) e a sociedade está extremamente pragmática, e sentenciou: “Vivemos a vitória do consumismo”. Na semana passada Kaká foi eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa. E comprovou, no campo futebolístico, as afirmações do professor e do compositor.
O status quo força as pessoas, de qualquer atividade, a serem pragmáticas. Sem perda de tempo, sem criatividade desnecessária, sem atitudes polêmicas. E é exatamente esta a figura do camisa 22 do Milan e o maior símbolo esportivo brasileiro deste way of life. Bom menino, evangélico, objetivo, ótima relação custo-benefício a seu empregador e fiel pagador de seus impostos. No mundo corporativo, seria definido como “jovem executivo, dinâmico e pró-ativo”, como as empresas tentam enquadrar (ou idiotizar) seus funcionários.
Enquanto isso, verdadeiros gênios do futebol, como Alex (do Fenerbahçe), Messi (Barcelona), Cristiano Ronaldo (Manchester) e Valdívia (Palmeiras) são colocados em segundo plano. Estes, certamente, não passariam em dinâmicas de grupo de empresas.
Arena multiuso?
Outra coisa irritante é a nova moda de usar o termo “arena multiuso”. O Atlético-PR diz que já tem e o Palmeiras promete construir a sua. Sendo claro: arena multiuso não passa de um estádio com lojinhas. É desnecessário esse nome tão moderno quanto imbecil. Enfiam essa linguagem rebuscada goela abaixo, e em poucos minutos o povo sai repetindo igual papagaio: “Também quero uma arena multiuso”. Estádio é estádio, como nos bons tempos em que futebol era futebol. Só espero que não adotem como oficial a terminologia “soccer”. Do jeito que as coisas estão, não é nada impossível.

Prá animar a 2a. feira


domingo, 23 de dezembro de 2007

Tropa de Elite e para a elite

Tropa de Elite, o filme de maior sucesso do cinema brasileiro, é tecnicamente muito bem feito. Também não é pra menos. Quem foi ao cinema viu a quantidade de patrocinadores que investiram na produção. Antes do filme começar são quase 5 minutos só mostrando os logos de grandes empresas. E como sabemos, quem paga a banda escolhe a música! E a burguesia brasileira não ia pagar pra fazerem um filme que mostrasse a verdade, ou seja, de que ela – a burguesia – é a real responsável pela barbárie em que vivem as porções marginalizadasda população carioca e de todo o Brasil.

O BOPE

O Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) do RJ foi criado em 1978, durante a ditadura militar. Os primeiros 30 homens foram treinados pelo exército, que na época combatia os grupos que faziam guerrilha contra o regime. Já era de se esperar que o BOPE usasse a tortura como uma prática cotidiana. Na verdade, o BOPE é um grupo de extermínio da PM do Rio.
Para os marxistas, o Estado Burguês se constitui num bando de homens armados cuja função é gerenciar os negócios da burguesia. A polícia é, portanto, não uma instituição para garantir a segurança dos cidadãos, mas sim para garantir a segurança da classe dominante e seus negócios. Isso significa reprimir as classes exploradas e suas tentativas de organização. Já o crime organizado, em especial o tráfico de drogas, geralmente conta com a participação e ajuda da burguesia – parlamentares e empresários que viabilizam a entrada de drogas no país, financiam a produção e etc. Por isso que o Estado não acaba com o tráfico – que é mais um negócio da burguesia – mas utiliza o suposto combate ao tráfico para reprimir e criminalizar as parcelas mais oprimidas da sociedade. No Brasil estamos falando de pobres, geralmente negros.
O filme em questão coloca muito bem a questão da corrupção da PM (Polícia Militar). Servidores públicos que colocam a vida em risco pra ganhar uma merreca no fim do mês têm possibilidades muito grandes de se corromper. A baixa remuneração é uma das formas que tem o Estado para ter a PM nas mãos. O burguês que financia a campanha do Governador precisa que o PM seja mal remunerado, se corrompa e venda armas para os traficantes continuarem prosperando os negócios do burguês.Porém, o filme, que é baseado no livro “Elite da Tropa” escrito por ex-agentes doBOPE, passa a imagem de que o BOPE é “truculento”, porém honesto. Nada mais falso! Quais condições materiais são diferentes para que um agente do BOPE seja menos propenso à corrupção do que um agente da PM? Os homens do BOPE recebem o mesmo salário dos da PM com apenas uma gratificação de R$500,00 a mais por mês. Cá entre nós, quinhentinhos a mais não são suficientes para evitar a corrupção!

Faca na Caveira

Mesmo para os valores democráticos burgueses é absurdo o uso do símbolo da morte para uma instituição do Estado. Os defensores do BOPE argumentam que o símbolo do batalhão é “anti-morte”, pois a faca que atravessa o crânio representaria a vitória sobre a morte (simbolizada pela caveira). Mas esse argumento não cola. O que fica evidente para qualquer um que vê o símbolo é a caveira e não a faca “vencendo” a caveira. Além do mais, os próprios integrantes do batalhão tratam uns aos outros como “caveiras”. O BOPE é um grupo de extermínio. As músicas que cantam nos treinamentos demonstram isso com uma clareza assustadora: “Homem de Preto o que é que você faz? Eu faço coisas que assustam Satanás!” e “Homem de Preto qual é a sua missão? Entrar pela favela e deixar corpos no chão!”. Mesmo que fossem “honestos” nada justifica a tortura e o extermínio como prática de qualquer instituição.

Caveirão

O filme mostra o BOPE em 1997, dez anos atrás. Hoje o buraco é mais embaixo. O BOPE hoje tem tanques blindados que sobem os morros como verdadeiras máquinas da morte. Esse blindado foi batizado de Caveirão e já foi alvo de matérias do nosso jornal nas quais denunciamos as atrocidades contra as populações pobres realizadas com o uso destes.
Droga de Imprensa

A revista Veja usou o sucesso do filme para “provar” que a sociedade precisa de mais BOPE, mais tortura, mais repressão, mais extermínio nas favelas. Veja encomendou uma pesquisa para o Vox Populi que lhes deu os seguintes resultados:53% julgam o Capitão Nascimento um herói; 72% consideram que os traficantes do filme são tratados como merecem; 85% concordam que a culpa pela existência dos traficantes é dos usuários de drogas! Veja ainda elogia o filme por colocar “os pingos nos is” pois “bandidos são bandidos e não vítimas da questão social”. Logo devem ser exterminados mesmo! Ocorre que no Brasil não está instituída a pena de morte. Veja ainda ousa publicar que não são tomadas as medidas óbvias que se conclui a partir do filme, porque o Brasil “é um país de idéias fora do lugar por causa da afecção ideológica esquerdista”.

As Crianças

O filme cumpriu o papel que os patrocinadores esperavam. Apesar de várias sentenças na narração do Capitão Nascimento que mostram a realidade, toda a montagem induz o espectador “senso comum” a deduzir que a solução é o BOPE. O diretor do filme tenta se defender dizendo que o filme mostra os dois lados, que é imparcial. Mas nada é imparcial. Numa versão pirateada o filme termina com um poema que coloca “não se sabe quem é mocinho e quem é vilão, quem é que vai e quem é que vem na contra-mão” – nessa versão ainda pode se deduzir que o BOPEe os traficantes, ambos fazem a população trabalhadora de vítima. Mas os patrocinadores parecem não ter gostado do poema e na versão final que foi ao cinema não há poema e a última palavra é da 12 estourando a cara do traficante.
E o Capitão Nascimento é mesmo o herói da criançada! Wagner Moura argumenta que se o filme for exibido na Suécia ninguém vai considerar seu personagem um herói. Bom ator, mas se faz de ingênuo. Talvez em outro planeta também não considerassem isso! Ocorre que estamos num determinado contexto histórico e social. As crianças que até 3 meses atrás brincavam de PCC (Primeiro Comando da Capital – facção criminosa de SP) hoje brincam de BOPE, simulam torturas com sacos plásticos na cabeça dos amiguinhos e repetem as falas dos personagens em tom militar: “01 pede pra sair!” e outro responde: “Eu desisto senhor!”.
Há saída

Apesar do filme deixar margem para a conclusão de que não há saída ou de que a saída é mais repressão, sabemos que a saída existe e não é o BOPE. Mesmo que o BOPE acabasse com o tráfico nas 700 favelas do Rio de Janeiro, o desemprego continuaria, a falta de políticas públicas de habitação, educação, saneamento, saúde, lazer, recreação e cultura, continuariam. E portanto, os burgueses que investem no ramo das drogas ilícitas continuariam encontrando terreno fértil para o subemprego do tráfico. E em 6 meses as 700 favelas do Rio estariam tomadas pelos traficantes novamente, que são apenas vítimas deste ramo dos negócios burgueses. Para os marxistas as drogas são instrumentos do imperialismo para controlar e destruir as gerações jovens. E por isso não se trata de culpar os usuários. Os responsáveis são os burgueses! Sob o capitalismo não há saída. É a barbárie mostrada no filme que crescerá cada vez mais. Mas a classe trabalhadora se movimenta, busca se organizar e forjar a saída para uma sociedade sem exploradores, onde a produção de tudo será controlada pelo povo trabalhador e não haverá necessidade de negócios escusos, drogas, violência, armas. A saída é a revolução socialista!
( Caio Dezorzi)

Publicado no jornal “Luta de Classes” edição Nº 07
www.marxismo.org.br

Será que o Brasil perdeu um grande cartunista?

Luiz Botelho

Quando eu era jovem sonhava em me tornar um grande cartunista. No início dos anos 70 ensaiei os primeiros passos nesta arte escrevendo para a seção "Camisa 12" da Revista Placar. Todo o material publicado desta fase eu recortava e guardava numa grande caixa de papelão que, infelizmente, não resistiu à primeira faxina feita pela minha esposa, no início do nosso casamento. Ela pensou que se tratava de velhos recortes sem valor e, aproveitando-se da minha ausência, jogou tudo na lixeira do Condomínio, por considerar aquela caixa um local ideal para futuro ninho de baratas, conforme se justificou na época.

Hoje em dia, vivo brigando com a minha memória que insiste em esquecer quase tudo que leio, escuto ou prometo. Porém, muitas coisas que escrevi naquela época lembro quase que textualmente e aproveito esse espaço para apresentar uma amostra para que vocês mesmo avaliem se eu tinha ou não futuro como cartunista.

Uma das primeiras que saiu publicada foi uma gozação com o campeonato pernambucano. Na semana anterior, um cabra-da-peste daquelas bandas teve a ousadia de criticar o futebol baiano que, apesar de não ser essas maravilhas toda, dava de mil a zero no campeonato deles. Lá era comum os três chamados grandes aplicarem impiedosas goleadas nos demais adversários. Durante aquela semana caiu um temporal em Recife que deixou todos seus estádios impraticáveis ao futebol. Juntei tudo isso e escrevi: "Devido às enchentes de gols, os torcedores pernambucanos rezam aos pés da Santa Cruz, para que o Sport no estado não se resuma a um torneio Náutico". Me senti vingado.

Outra que me lembro foi quando Pelé, após a milésima despedida do futebol, assinou contrato para atuar no Cosmos e foi ensinar os norte-americanos a jogarem bola. Naquele mesmo ano, o Santos fez uma péssima campanha no campeonato paulista e acabou desclassificado ainda na primeira fase. Eu saquei imediatamente qual foi a razão: "O Santos não resistiu às saudades de Pelé. Acaba de ir para o espaço, afim de ver o Negão no Cosmos".

Peguei no pé também de Emerson Fittipaldi quando ele cismou em construir o primeiro carro brasileiro de Fórmula 1. Aliás, de brasileiro mesmo só tinha os pilotos (o outro era seu irmão Wilsinho) e o dinheiro do Copersucar, que patrocinava a empreitada. Primeira temporada, fiasco total. Os carros, quando conseguiam lugar no Grid, terminavam nas últimas colocações, muitas voltas atrás dos líderes – isso quando não quebravam. No ano seguinte, a Revista Placar publicou uma ampla reportagem apresentando as novidades do novo carro brasileiro. Não resisti e escrevi: "De todas as novidades do Fitti II, a mais original foi a troca do conta-giros por um marca-passo". Começa a temporada, GP da Argentina e, incrível, Emerson termina em terceiro, levando ao pódio o carro brasileiro. Segunda prova, GP do Brasil e, inacreditável, Emerson vence a corrida. Não tive outra saída a não ser dar minha mão à palmatória: "Como dizia nosso amigo Gibran, ‘as tartarugas conhecem as estradas melhor do que os coelhos’. Pois é, nosso Emerson, ano passado, era tal qual uma tartaruga, a conhecer todos os autódromos do mundo. Hoje é um coelho". Outro tiro fora do alvo. Terminada a temporada sul-americana, as grandes equipes lançam seus novos carros para a fase européia do campeonato e lá se foram os irmãos Fittipaldi e o dinheiro do Copersucar de volta à rabeira. Bom, meu sonho era ser cartunista e não advinho.

Alguns meses mais tarde, a Revista Placar contratou o cartunista Laerte para cuidar da página de humor. Colaborei por muito tempo com minhas piadas e, creiam, o Laerte gostava muito de mim. Quando ele lançou uma nova seção, "Pontapé Inicial", dirigida a novos cartunistas, peguei lápis, borracha e canetas esferográficas de várias cores e me pus a tentar desenhar as idéias que me vinham aos borbotões. Semana seguinte, abro a revista e lá estava um dos meus cartuns publicado e a seguinte mensagem do Laerte: "Já estava fechando a página quando, como diz a Isaurinha, ‘o carteiro chegou e meu nome gritou com uma carta na mão’. Era do Luiz Botelho, o baiano que não perde tempo. Está com um personagem, o Rufino, aprontando as maiores. Agora, chamar o Botelho de estreante é o mesmo que chamar feijoada de lanchinho. O Botelho escreve para a Placar desde que a revista era contada nos dedos, mas, como a sacada está boa, aí vai. Botelho, te manca aí que tão achando que estamos de caso". O cartum publicado tinha o título "Rufino e o musibol" e era composto por dois quadros. No primeiro, jogadores e torcedores do Bahia faziam a maior festa. Charanga, bandeiras tricolores tremulando, todos caminhando em direção a um vestiário com a identificação: "Grupo dos Vencedores". No segundo, jogadores e torcedores do Vitória chorando copiosamente, bandeiras rubro-negras enroladas, todos se dirigindo a um outro vestiário denominado de "Grupo dos Perdedores". No primeiro quadro Rufino dizia: "Enquanto o Bahia vai em ritmo de samba rumo à classificação..." e completava no segundo "...o Vitória vai em ritmo de choro a caminho da repescagem". Semana seguinte e o cartum publicado era do meu irmão Arival. A mensagem de Laerte dizia: "O estreante da semana é Arival de Morais Filho. Não vou pôr o sobrenome senão vocês vão achar que estou de sacanagem. Vou pôr sim. É Botelho, e daí? No Nordeste só existem duas pessoas realmente gente fina: o Luiz Botelho e a misteriosa Miss Inhame que por sinal não recebi ainda as fotos...".

Porém, um grande desastre aconteceu comigo e mudou completamente meu destino. Consegui a 194ª colocação das 200 vagas oferecidas pelo Curso de Engenharia Civil da Ufba, em 1975. O resultado disso, todos vocês conhecem muito bem.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Bom, o Stefan que me mandou esse texto, eu gostei bastante!
Acho que esse texto é bem realista, achei muito bom mesmo!



É preciso acabar com o capitalismo e conquistar um mundo no qual a juventude tenha direito ao lazer, à arte, e à educação. É preciso construir o Socialismo!

O CAPITALISMO TRAZ A GUERRA COMO A NUVEM TRAZ A CHUVA
Os capitalistas prometeram progresso, mas levam o planeta para o abismo. Eles buscam apenas o lucro. O que sobra para a juventude é desemprego, tráfico e morte. Eles invadiram o Afeganistão, o Iraque e o Haiti e suas tropas estão em todo o mundo. Transformaram o planeta num verdadeiro inferno fazendo guerras, destroçando os povos e matando jovens, homens, mulheres e crianças por grana, por petróleo, minérios e biodiversidade.
Privatizam a Saúde, privatizam as empresas estatais e pretendem fazer o mesmo com a Educação. E quem paga a conta somos nós. Como se não bastasse, os capitalistas constroem crises em cima de crises, fecham as fábricas e deixam atrás de si um cemitério de desempregados.

ACABAR COM A PROPRIEDADE PRIVADA E LIBERTAR A JUVENTUDEA
Juventude Revolução organiza jovens que se somam aos trabalhadores no combate para abolir de vez essa classe de parasitas chamada burguesia.
Pondo fim à propriedade privada das fábricas, dos bancos e do latifúndio, conquistaremos um mundo sem exploração do homem pelo homem, sem fome, guerras e desemprego. A felicidade se tornará o cotidiano da juventude e dos trabalhadores. Livres das drogas e da repressão nós teremos lazer, arte e educação. Toda a juventude estudará em escolas e universidades públicas da melhor qualidade. Todo povo terá acesso às bibliotecas, museus, internet, avanços tecnológicos e ao conforto.
O Brasil e o mundo que a juventude precisa construir são socialistas. É preciso acabar com esta falsa democracia que temos nos governos e parlamentos burgueses. O povo trabalhador do campo e da cidade controlará democraticamente toda a sociedade, elegendo diretamente seus representantes em congressos e assembléias populares. Estes representantes serão revogáveis se não cumprirem o seu mandato e assim estarão em permanente aliança com os oprimidos.

VIVA VENEZUELA! VIVA A AMÉRICA LATINA!
A revolução avança na Venezuela e na Bolívia com a mobilização popular e a estatização de empresas, o enfrentamento com o imperialismo e as classes dominantes locais. Os que diziam que o socialismo estava morto e as revoluções não aconteceriam mais estão sem fôlego e perplexos. Eles atacam estas revoluções porque elas mostram que os mortos-vivos são eles, que abandonaram a luta pelo socialismo.
Um vento revolucionário varre a as Américas. E nós amamos estas revoluções porque elas continuam a grande Revolução Russa, que vive nos sonhos e esperanças dos que odeiam toda opressão e exploração. A América será socialista! O mundo será como nosso coração que é vermelho e bate do lado esquerdo do peito!
Esta é a luta da Juventude Revolução!

“VOCÊ PAGOU COM TRAIÇÃO A QUEM SEMPRE LHE DEU A MÃO!”
No Brasil, a classe trabalhadora demonstrou mais uma vez sua força derrotando Alckmin, o candidato burguês e deu um novo mandato para Lula, do PT, contra as privatizações e para mudar a vida. Mas, ao assumir o 2º mandato Lula forma um Governo de Coalizão com a burguesia, atende aos banqueiros e multinacionais e chama o assassino Bush de “companheiro”. E não pára de pagar a Dívida Interna e Externa aos vampiros capitalistas.
Lula não faz a Reforma Agrária, apóia o Agro-negócio e agora privatiza a Amazônia. Aprovou na surdina a “Lei de Gestão de Florestas Públicas” e esperou o Dia da Árvore (21/09/07), para anunciar que realizará leilão para privatizar 90 mil hectares da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia. E é só o primeiro leilão da Amazônia!
Lula começa a privatização total das estradas brasileiras doando patrimônio público aos capitalistas para que façam pedágios e roubem o povo.O governo anuncia a privatização, financiada com dinheiro do BNDES, das usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. E diz que é a principal obra do seu vergonhoso PAC.
E ainda manda a polícia federal invadir as fábricas Cipla e a Interfibra que estavam ocupadas pelos trabalhadores para acabar com o Movimento das Fábricas Ocupadas, que luta pela estatização das fábricas ocupadas e pelo socialismo.
Assim, Lula encoraja a burguesia e sua justiça podre a criminalizar os movimentos sociais tratando o caos social do capitalismo como caso de polícia.
O “realista” Lula deveria romper com os capitalistas e governar com o povo explorado, abrindo uma saída para a construção do socialismo. Se ele não rompe seu governo de colaboração de classes e traição nacional (com PMDB, PP, PTB, PRTB, etc.) os trabalhadores têm o direito de passar por cima e enfrentar os capitalistas nas ruas para constituir um verdadeiro governo dos trabalhadores.

SEJAMOS REALISTAS, SEJAMOS REVOLUCIONÁRIOS!
Dizem que a juventude sonha com o impossível. Mas, os tais “realistas” fracassaram e o Brasil e mundo provam isso. Seu “realismo” só trouxe miséria, desemprego, guerra, destruição ambiental, dor e sofrimento para bilhões de seres humanos. E uma angustiante falta de perspectiva para a juventude.
Nós somos realistas, por isso somos revolucionários. A juventude já sabe que só pode esperar mudar o mundo se mobilizando junto com a classe trabalhadora para arrancar suas reivindicações e defender seus direitos. Por isso vamos às ruas contra os aumentos de tarifa no transporte público, estamos nas greves e manifestações. Por isso a JR apóia as ocupações de fábricas e dos latifúndios.
O único futuro que o capitalismo pode dar à Juventude é a barbárie! Pretender reformar o capitalismo para lhe dar uma face “humana” é cair no canto da sereia! Só a expropriação dos capitalistas pode oferecer à Juventude a perspectiva de uma vida plena. E para isso é preciso um programa e um instrumento político revolucionário.

ESTUDAR A REVOLUÇÃO, ORGANIZAR OS SOCIALISTAS,MOBILIZAR A JUVENTUDE
No dia 03 de fevereiro de 2008 ocorrerá em Joinville, SC, o 10º ENJR - Encontro Nacional da Juventude Revolução.
Vamos reunir os jovens revolucionários do Brasil e organizar os combates pela revolução. Você está convidado a construir este Encontro. Faça contato, já!
Vamos discutir a luta pelo Passe-Livre estudantil e a Estatização do Transporte Coletivo. Como combater as drogas que destroem e tiram a juventude da luta de classes. Nossa luta por um emprego decente. Aprofundar nossa luta contra as cotas e o falso Estatuto da Igualdade Racial. Como botar as nossas tropas nas ruas para obrigar Lula a trazer de volta as tropas que ele mandou para o Haiti. Queremos mais vagas para a Educação, barrar a Reforma Universitária, o REUNI e o FUNDEB.

Vamos aprofundar nosso programa e nossa luta pela construção do instrumento político necessário para a revolução. Aprofundar nossa luta pelo socialismo e nossa relação com a juventude e a classe operária de todo o mundo.

Esta é nossa tarefa. Até 3 de fevereiro de 2008, em Joinville!
PELA REVOLUÇÃO, JUNTE-SE A NÓS!O SOCIALISMO VIVE! VENCEREMOS!WWW.REVOLUCAO.ORG - e-mail: contato@revolucao.org

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Continuando nossa cruzada de salvação


Estamos em promoção !!!


Aproveite você, meu irmão de fé, camarada...


Antecipe seis meses de dízimo e ganhe


um maravilhoso FÍGADO AUTO-LIMPANTE !!!


ah... entregamos e instalamos antes do Natal.

Como cuidar de um bebê de um a três meses

Luiz Botelho

Ser pai sempre foi para mim um desejo incontrolável e planejava ter o máximo de filhos que me fosse permitido. Isso começou quando minha irmã caçula nasceu, aquela bonequinha que se mexia, chorava e falava sem precisar de pilhas. Contava então com sete anos de idade e ensinei "minha filhinha" a me chamar de Papaiz. Agora, passados muitos anos, a filha dela, "minha netinha", uma princezinha mais bonita do que a mãe, me trata de Tio Vovôiz, tratamento que me deixa sempre emocionado.

Meu curso secundário de pai ocorreu com o nascimento do meu primeiro sobrinho que, quis o destino, foi criado junto a nós como um irmão temporão. Com ele aprendi a carregar um bebê, ninar, trocar fraldas, perder noites e muitas outras atividades que um futuro pai certamente enfrentaria.

Quando minha esposa ficou grávida do nosso primeiro filho, comprei livros, revistas especializadas e tudo mais relacionado aos cuidados que se deve dedicar a um recém-nascido, afinal de contas começaria ali a minha prova de fogo como pai – meu curso superior.

Para complicar um pouco mais a minha tarefa, o pirralho resolveu nascer de sete meses, encurtando meu período de aprendizado teórico. Nos primeiros dias, as maiores dificuldades com que me deparei foram os soluços e as cólicas que não permitiam ao coitado – nem a nós – descansar até a próxima mamada, três horas depois da última, conforme o recomendado.

Lembrei, então, que tinha lido um artigo onde um casal de pediatras norte-americanos relatava a experiência feita com seus filhos e com centenas de seus clientes, sobre como evitar esses dois problemas nos três primeiros meses de vida de um bebê. Embora tenha folheado, página por página, cada revista da montanha que tinha comprado, não consegui encontrar o tal artigo. Não me restava outra alternativa a não ser tentar colocar em prática o método dos pediatras, baseado nas lembranças que eu ainda guardava, fazendo os ajustes necessários em cima dos resultados obtidos.

Como essa experiência foi muito bem sucedida e reaplicada, anos depois, com total eficiência quando do nascimento dos meus outros dois herdeiros, descreverei aqui o procedimento na certeza de que ele pode ser útil a quem pretenda um dia ter filhos.

Para início de conversa é importante frisar que a participação do pai é fundamental na aplicação do método, pois a mãe encontra-se um tanto quanto cansada após os meses de gestação e ao parto em si, principalmente nos primeiros dias. Antes de cada mamada é necessário fazer o asseio completo do bebê, mesmo que ele esteja chorando desesperadamente pelo leite materno. Após a mamada, o pai, ou quem estiver cuidando dele, deverá colocá-lo para arrotar da seguinte maneira: apoie a criança sobre seu peito, que deverá estar inclinado para trás o máximo possível, exercendo uma leve pressão nas costas do bebê com sua mão esquerda e com o dedo polegar sustentando o queixinho dele. Com a mão direita, pressione levemente o seu bumbum (o dele), de forma que os braços e as pernas do neném fiquem soltos e relaxados. Em poucos segundos o bebê irá soltar alguns arrotos bem vigorosos, mas não é hora ainda de colocá-lo no berço e é justamente aí que reside o grande segredo. Permaneça nessa posição por mais 10 minutos e é preciso ser persistente porque esses serão os minutos mais longos de sua vida, porém valerá à pena. Após esse tempo é comum o neném soltar uma série de pequenos arrotos e uns punzinhos, liberando bastante gazes que serão fundamentais para um sono prolongado. Coloque-o agora no berço e cuide para que a casa permaneça na mais possível tranqüilidade pelas próximas três horas. Se desejar, aproveite esse tempo para dar uma boa descansada, pois seu bebê não vai acordar tão cedo. Passadas às três horas regulamentares, não acorde o seu preguiçoso filhinho. Comece por introduzir alguns ruídos na casa, ligando o som não muito alto, conversando normalmente com seus familiares, entrando e saindo do quarto do bebê, abrindo gavetas, guarda-roupas etc., pois isso irá acostumá-lo a conviver com a zoada do dia-a-dia sem despertar. Depois de quatro horas de sono é conveniente acordá-lo delicadamente, pois, creiam, se deixar ele dorme a manhã toda e isso pode prejudicar seu sono à noite. Lembre-se que antes da mamada deve-se fazer o asseio do bebê, inclusive na hora do banho, não deixando se impressionar com seu choro de esfomeado, pois isso faz bem aos seus pulmões. À noite, deixe para dar a última mamada às 23 horas, aproximadamente. Pode acreditar que todos terão um merecido e tranqüilo descanso até às seis horas da manhã seguinte. É importante frisar que durante todo o dia não é necessário o uso de chupeta, podendo ser utilizada apenas antes das mamadas, durante o asseio do bebê, com o objetivo de acalmar (ou enganar) um pouco seu apetite, mas em hipótese alguma deverá ser adicionado mel ou açúcar no bico.

Quando meus filhos passavam dessa fase inicial de suas vidas, eu era sempre tomado por um forte desejo de ter outro bebê. Minha esposa engravidou quatro vezes, mas meu filho que se chamaria Luís Edmundo e que estaria este ano fazendo 20 anos, não veio ao mundo. Depois de minha caçula, hoje com 18 anos, minha esposa resolveu dar um basta na minha incontrolável intenção de ultrapassar a China em população. Sofri muito, mas já me acostumei e aviso sempre aos meus filhos: não pretendo aplicar este método em meus netos, portanto, cada um que balance seu Mateus.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Artigos escritos sobre Chico Buarque - 004

Revista Caros Amigos – Dezembro/1997
Ruy Fernando Barboza

Inveja do Chico Buarque?


Quando minha namorada fala do Chico Buarque, costumo me lembrar de duas pessoas: Ernest Hemingway e Eduardo Barreto. Hemingway diz que, se você quer que sua mulher tenha de você a imagem de um homem corajoso, nunca a leve para ver uma tourada. Depois que ela vê o desempenho do toureiro, passa a achar que aquilo é que é macho, o resto é conversa. E o artista gráfico Eduardo Barreto é um dos muitos homens da minha geração que, desde os primeiros anos da década de 60, vêm tentando achar um defeito de caráter, uma picaretagem, uma doença grave, seja lá o que for – enfim, alguma coisa ruim no Chico Buarque, para que sobre algum espaço para nós, na admiração de nossas mulheres. “Ninguém pode ser tão maravilhoso assim”, dizia Eduardo, “compor assim, escrever assim, ter aqueles olhos, estar casado com uma mulher como a Marieta Severo... Aí tem coisa.” De vez em quando, Eduardo nos puxava para um canto: “Parece que a coisa agora é séria. O Chico está com um tumor no cérebro.” Vã esperança. Mesmo agora, depois de anunciada a separação de Chico e Marieta, o casal, que tinha um casamento invejado, passou a ter uma separação invejadíssima...

O Caetano é outro que, embora de forma disfarçada, está tentando achar defeito no Chico. Pode ver, no trecho do livro dele, no anúncio que a Companhia das Letras vem publicando em jornais e revistas. Caetano lembra que ele e Chico ficaram nacionalmente conhecidos e começaram a enriquecer ao competir no Esta Noite se Improvisa, da velha TV Record. No programa, a produção dava uma palavra, e ganhava pontos quem lembrasse primeiro uma música cuja letra contivesse aquela palavra. Caetano era um concorrente poderoso, mas Chico era melhor. Pois Caetano diz que Chico só ganhava dele porque, muitas vezes, compunha músicas na hora – o que era proibido pela produção, pois não era um concurso de repentistas, e sim de memória musical. Pura inveja, evidentemente – e perfeitamente compreensível, mesmo num compositor genial como Caetano. O conhecido incidente no Florentino, em que Chico deu uma valente cusparada em Millôr Fernandes, começou, para quem não se lembra, com a infeliz frase de Millôr, publicada nos jornais da época: “Não confio em Chico Buarque nem para tomar conta do meu cachorro”...

A inveja do Caetano, como se vê, é disfarçada, ressentida, vem num aparente elogio à capacidade de improvisação de Chico. A de Millôr apareceu raivosa, direta. Despretensiosamente, quero dizer que acho que os entendo.

Talvez se eu falar da minha inveja fique mais claro.

Morro de inveja do Caetano. Lembro-me, por exemplo, de quando ouvi pela primeira vez o disco de Londres, com Maria Bethania e London, London. Ao lado da emoção cívica e da impotente dor política que o exílio de Gil e Caetano nos causavam, e da admiração pela explosão da nova etapa do talento do Caetano, morri de inveja dele. Já tive muita vontade de ser cantor e compositor, tenho minhas musiquinhas, adoro cantar. Meu sucesso já chegou a ultrapassar as fronteiras domésticas, e me recordo perfeitamente que duas pessoas – um vizinho e uma vizinha – me elogiaram. Mas estou longe de ser até mesmo, digamos, um Martinho da Vila. Caetano, então, nem pensar...

Tenho também uma inveja assumidíssima do Millôr. Da erudição, da criatividade, da genialidade do Millôr. Inveja que começou na minha infância, com o Pif-Paf, em O Cruzeiro – “Cada número é exemplar, cada exemplar é um número”. Eu lia, adorava, e quantas vezes, lembrando as frases do Millôr no meio das aulas, tinha de me conter, para não ter de explicar aos professores do que estava rindo – por exemplo: “Alguns ficam na cama porque estão doentes; outros, porque se sentem muito bem”. Adolescente, tinha a fantasia de escrever coisas brilhantes como as do Millôr. Tenho aqui minhas tiradas, tão bem sucedidas quanto as minhas músicas, em casa e nas vizinhanças. Mas já sei que nunca vou escrever nem sequer como o Carlos Heitor Cony – quanto mais o Millôr Fernandes...

Muitas vezes, depois de ouvirmos o Caetano, falo da minha inveja. Minha namorada diz que cada um tem suas qualidades. Por exemplo, eu sou muito mais modesto que o Caetano, segundo ela. E a modéstia é uma qualidade importante. Quando falo da minha inveja do Millôr, ela diz que eu sou mais bonito do que ele. Não digo que não seja bom ouvir isso, mas sempre tenho uma sensação de estar sendo enganado.

Mas nunca tive inveja do Chico. Quanto ao Chico, sou tomado por um sentimento muito diferente da inveja. Nunca pensei em compor como o Chico, nem em ser bonito como o Chico, nem escrever como o Chico.

Na verdade, eu queria mesmo é ser o Chico. É isso aí. Em vez de o Chico nascer, eu teria nascido, no lugar dele, e eu seria ele, até com o nome dele, tudo direitinho. E, se ele quisesse nascer também, podia nascer no meu lugar, e ele seria eu, é claro. Problema dele.

Quando falo disso para a minha namorada, ela me olha com um olhar pensativo. Acho que ela me entende, pois não diz nada, nada. Fica quietinha.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Artigos escritos sobre Chico Buarque - 003

Hermínio Bello de Carvalho
No livro Sessão Passatempo

A casa, na Rua Buri, ficava perto do estádio do Pacaembu. Lembro de um vitrô, de um espelho enorme, todo bisotado, de um aparato antigo feito de cobre ou zinco (o que seria?), de uma escada que levava ao segundo andar e de muitos livros. E, claro, no meio deles, o mestre Sérgio Buarque de Holanda. Dona Maria Amélia serviu cafezinho ou uísque? Não recordo. E nem tampouco me lembro em que circunstâncias fomos, Maurício Tapajós e eu, dar com os costados por lá.

Perdemos a conta, Mauricinho e eu, das vezes que fomos a São Paulo assistir ao “Morte e Vida Severina” do João Cabral de Melo Neto, musicada pelo Chico. 1965, 1966? Não me lembro. Perto do teatro, e era o Tuca, havia um barzinho. Ali nos encontrávamos, antes e depois do espetáculo. Maurício, menos introvertido que eu, aprochegou-se logo de Chico - os dois com a mesma faixa etária, aí pelos 21 anos. Mas, engraçado, não vejo meu parceiro na foto do time que me acolheu como seu mais desastrado e ridículo goleiro, na única partida de futebol, aliás, de que participei na vida. Chico, Toquinho, João Evangelista - por onde andava Maurício? Deve ter ficado no Rio, integrando os movimentos políticos contrários à ditadura recém-instalada.

Falo da casa do professor Sérgio e me lembro do apartamento de Chico e Marieta na Lagoa, onde, claro, devo ter sido levado por Mauricinho - a essa altura dos acontecimentos, já amigo fraterno de Chico. Parceiro morto, nem assim hão de duvidar das palavras que dele ouvi: a invulnerabilidade do caráter de Chico, sua postura de artista, sua coerência, sua absoluta fidelidade aos verdadeiros amigos. Virgínia, ex-mulher de Maurício e mãe de Márcio e Lúcio, conta que, durante cinco meses seguidos, ela doente, teve seus filhos sob a guarda carinhosa de Chico e Marieta, que diariamente os levava para casa. Quando Chico ganhou o “Golfinho de Ouro”, na surdina repassou o cheque do prêmio para seu ídolo, o compositor Ismael Silva, que vivia em estado de absoluta pobreza. Sem alarde. Como é de seu feitio. Pergunto-me se não estarei invadindo a privacidade de Chico, contando essas coisas. Apenas tento dimensionar o grande homem que coabita o imenso artista.

Olho para nossa foto, os dois paramentados em verde-e-rosa, integrantes da Comissão de Frente da Mangueira em 1987, no enredo que homenageava Drummond. O primeiro ensaio foi lá em casa, Chico apareceu meio cansado, quando fui ver estava estirado num sofá da sala, dormindo. Me emputeço. Deveria estar é no meu quarto, na mesma cama que já embalou o sono de Mãe Quelé e da Divina Elizeth, onde Pixinguinha cochilou após alguns uísques. Tímido, ele jamais invadiria, sem pedir licença, o aposento de alguém.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Artigos Escritos por Chico Buarque - 005

Chico Buarque
Poemas, testemunhos, cartas – 2000


A casa do Oscar

A casa do Oscar era o sonho da família. Havia o terreno para os lados da Iguatemi, havia o anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar. Mais tarde, num aperto, em vez de vender o museu com os cacarecos dentro, papai vendeu o terreno da Iguatemi. Desse modo a casa do Oscar, antes de existir, foi demolida. Ou ficou intacta, suspensa no ar, como a casa no beco de Manuel Bandeira.

Senti-me traído, tornei-me um rebelde, insultei meu pai, ergui o braço contra minha mãe e sai batendo a porta da nossa casa velha e normanda: só volto para casa quando for a casa do Oscar! Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguases, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquele casarão do Oscar, achei pouco, decidi-me a ser Oscar eu mesmo. Regressei a São Paulo, estudei geometria descritiva, passei no vestibular e fui o pior aluno da classe. Mas ao professor de topografia, que me reprovou no exame oral, respondi calado: lá em casa tenho um canudo com a casa do Oscar.

Depois larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando a minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é a casa do Oscar.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Ataque histérico coletivo

Há alguns meses se iniciou uma campanha para a escolha das sete novas maravilhas do mundo. Não entendi direito sobre o que se tratava, qual instituição estava organizando a disputa e quais eram os outros concorrentes. Esqueci o assunto. De repente – “e não mais que de repente”, como diria o poeta – houve uma semi-comoção nacional para a escolha do Cristo Redentor. Um daqueles ataques de ufanismo burro e sem propósito tão comum por estas terras. Colocaram a bonita estátua acima do Corcovado, inclusive, a frente de verdadeiras obras para a humanidade, como o Taj Mahal e Macchu Picchu. E, logo depois, começaram os jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. E este é o tema desta postagem.
Mal assisti às disputas pela tevê. Mas, o pouco que vi, foi irritante. Aquele povo que pouco conhece esportes, mulheres de classe média que não sabem o que acontece além dos seus quintais, homens jovens a beira de um ataque histérico. Todos nas arquibancadas “mostrando sua brasilidade” e torcendo como loucos (“loucos” é eufemismo) para esportes tão populares como o badminton, a esgrima e o pólo aquático.
“Brasil, Brasil, Brasil”, brada a torcida. Chora, se emociona, idolatra atletas os quais nunca ouviu falar na vida e que só vai saber que ainda existem se estiverem nas Olimpíadas de Pequim.
O fato é: brasileiro não sabe ser torcedor – como os argentinos sabem, por exemplo. Vivem apenas de emoções artificiais e pontuais, quando vêem uma camisa amarela na quadra ou no campo. Não se importam com a falta de estrutura esportiva do País, com o indício de roubalheira de boa parte das confederações esportivas, com mais nada que esteja alheia àquela disputa. Eles amam os atletas brasileiros, apenas isto.
A mesma coisa aconteceu quando a seleção mais chata da história conquistou a Copa América, na Venezuela. Um técnico inexperiente e prepotente ao mesmo tempo, quatro volantes no lugar que deveria haver ao menos dois craques e um tal de Robinho que joga menos do que o Galvão Bueno pensa. Ganhou? Ganhou. Mas e daí? Uma vitória com esses ingredientes indigestos não traz alegria alguma. Mas é a chance de muitos voltarem a gritar, como aconteceu comumente nesse último Pan-Americano: “Ahhhhh, sou brasileirooooooooooooooo”. Apesar do “muito orgulho" e do "muito amor” serem completamente efêmeros. E que venha a Copa do Mundo.

Esporte Clube Bahia - campeão de renda 2007

Folha de S.Paulo – 26/Novembro/2007
PAULO COBOS
Bahia é dono da melhor média de público do Brasil em 2007


A tragédia na Fonte Nova ofuscou aquela que era para ser a festa da torcida campeã da temporada 2007 no Brasil. Na mambembe Série C, o Bahia fechou no domingo sua participação como mandante, no empate contra o Vila Nova por 0 a 0, que fez o time subir para a segunda divisão, com a estupenda média de 40,4 mil torcedores por partida, segundo dados oficiais da CBF.

O Flamengo também encerrou ontem sua campanha como anfitrião no triunfo sobre o Atlético-PR por 2 a 0, que o colocou na Libertadores-08. Foram 82 mil pagantes no Maracanã (recorde de público nos Nacionais em 2007), mas que não foram suficientes para fazer o clube ultrapassar o Bahia - os cariocas tiveram média de 39,2 mil torcedores por jogo.

É fato que o valor médio do ingresso para os jogos do Flamengo era maior que os do Bahia (R$ 12,5 contra R$ 8,8). Mas são vários os pontos que transformam o "título" dos nordestinos numa façanha impressionante, e isso não fica só no fato de levar quase 60 mil torcedores para jogos contra rivais quase anônimos, como o Crac, da goiana Catalão.

A diferença no preço dos ingressos tem como contraponto a situação econômica de cariocas e soteropolitanos. Segundo o IBGE, o rendimento médio mensal em Salvador ficou em outubro em R$ 554, contra R$ 686 do Rio. A taxa de desemprego da capital baiana (13%) é o dobro da registrada na capital carioca segundo o instituto.

Sozinho, o Bahia respondeu, sem contar a última rodada, por 37% de todo o público e 39% da receita bruta da Série C. O Flamengo, em ambos os casos, terá participação de 11%.

Os clubes tiveram ajudas de promoções, mas elas foram mais pesadas no caso flamenguista. Para o jogo de ontem, por exemplo, quase 33 mil ingressos foram trocados por latas de produtos da Nestlé, em processo que gerou tumultos e feridos na última semana. Em partidas com a Fonte Nova cheia (60 mil fãs), pouco mais de 6 mil ingressos vêem de notas fiscais, promoção da Secretaria da Fazenda da Bahia.

sábado, 15 de dezembro de 2007

ARTIGOS ESCRITOS POR CHICO BUARQUE - 004

Chico Buarque
O Pasquim - 1969

Hair

O cantor Chico Buarque sempre foi um jovem moderado. Nos tempos de estudante não pichava o muro. Quando muito fazia pipi no muro. Suas primeiras canções de protesto eram acolhidas complacentemente nos salões. E seus cabelos eram curtos, o que lhe valia a consideração dos homens de bem. Recentemente, estando na Itália sem fazer nada, o cantor Chico Buarque deixou crescer todos os pelos para ver que bicho que dava. No começo só dava coceira na barba. Aos poucos foi dando um bode ou outro. O jornaleiro que parou de dizer buongiorno, o fruteiro que passou a atendê-lo por último e o bar-man que deixou de apreciar o futebol brasileiro. No restaurante escondiam Chico Buarque atrás da coluna e o jantar chegava sempre frio. Sua nota de mil liras era examinada contra a luz.

Aí já era culpa do cabelo que crescia exageradamente em todas as direções, contrariando a ordem estabelecida. Quando Nixon visitou Roma um amigo de Chico advertiu: “Se você sai na rua com esse cabelo os homens te pegam firme.” Diante disso o nosso moderado artista plantou-se em casa à espera de algum contrato de trabalho. O trabalho agora se tornava mais difícil porque, segundo o empresário, Chico Buarque já não pertencia ao catálogo de cantores de cabelo curto e, por outro lado, não sabia tocar guitarra elétrica. Restava voltar ao Brasil, mas com que cabelo? Cortar ou não cortar, a questão assumia proporções dramáticas. Algo como: fazer o programa do Chacrinha ou o do Flávio Cavalcanti?
Mirando-se no espelho, repetia o cantor: corte-o ou deixe-o. Os cabelos curtos são aconselháveis à saúde nos climas tórridos e mesmo temperados. Mas os cabeludos são mais simpáticos que os não. Corte-o ou deixe-o? Enfim, Chico Buarque optou por uma solução moderada: cabelos curtos mas barba, ainda que rente. Por causa do calor entenda-se. E porque ele não é Leão. E porque é chato ter que explicar tudo uma porção de vezes. Mas a filha de Chico Buarque, coitada, que ainda é pequena e não sabe de nada, ao vê-lo voltar do barbeiro de cabelos comportados, levou um susto horrível, chorou sete noites e sete dias, e nunca mais falou com ele.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Coletânea de trilhas do Almodovar



Quem curte a filmografia do diretor espanhol Pedro Almodovar vai gostar de saber que ele acaba de lançar um CD duplo com muitas das canções de filmes como Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, Fale com Ela, Volver, entre outros.

Distribuído pela EMI, o álbum Almdovar BSO reúne 29 faixas com interpretações de Elis Regina, Caetano Veloso, Olga Guillot, Bernarda e Fernanda de Utrera, Eartha Kitt e La Lupe.

Lembrando: os brasileiros estão presentes na trilha de Hable con Ella (Fale com Ela. Caetano canta “Cucurrucucú Paloma”, do disco Fina Estampa ao Vivo (1995), e Elis canta “Por Toda a Minha Vida”, do disco Elis & Tom (1974),acompanhada pelo maestro soberano Tom Jobim acompanha Elis ao piano.

POR QUEM MEUS FILHOS TORCEM

Jornal A Tarde – 17/Outubro/2005
Luiz Botelho



Por influência do meu pai e dos meus irmãos mais velhos, sou torcedor do Bahia desde pequenininho. A partir dos meus 15 anos, quando a Fonte Nova foi ampliada e reinaugurada em 1971, comecei a acompanhar os jogos do Bahia diretamente do Estádio, o que só fez crescer em mim essa paixão pelo Tricolor de Aço, tantos momentos bons passei ali.

Porém, na década de 80, quando eu me casei e meus três filhos nasceram, aos poucos, fui dividindo essa paixão por meu clube com a minha nova família e, quando me dei conta, me vi afastado da Fonte Nova, principalmente quando me mudei para um bairro distante do estádio, em 1984.

Mesmo assim, tentei de todas as formas influenciar meus filhos a torcerem pelo Bahia, mas, infelizmente, não obtive êxito. Meu filho mais velho (que chegou a ser mascote do Bahia) e minha filha do meio tornaram-se torcedores do Vitória, provavelmente motivados pela pequena supremacia regional e um relativo sucesso nacional, com a conquista de um vice-campeonato brasileiro, justamente quando eles tinham uma idade que já não pegava bem ficar “virando folha”.

A minha filha caçula é a única que hoje em dia, moderadamente, ainda torce pelo Bahia, embora, há alguns anos atrás, após o Tricolor sofrer mais uma goleada do Vitória no Barradão, e não suportando mais as gozações dos irmãos mais velhos, ela tenha me dito: - Pai, eu torço pelo Bahia, mas quando eu crescer vou torcer pelo Vitória, viu?

Espero que ela tão cedo não perceba que já cresceu!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

ARTIGOS ESCRITOS POR CHICO BUARQUE - 003

Última Hora - 09/Dezembro/1968
Chico Buarque de Hollanda
Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha


Estava mal chegando a São Paulo, quando um repórter me provocou: “Mas como, Chico, mais um samba? Você não acha que isso já está superado?” Não tive tempo de me defender ou de atacar os outros, coisa que anda muito em voga. Já era hora de enfrentar o dragão, como diz o Tom. Enfrentar as luzes, os cartazes, e a platéia, onde distingui um caro colega regendo um coro pra frente, de franca oposição. Fiquei um pouco desconcertado pela atitude do meu amigo, um homem sabidamente isento de preconceitos. Foi-se o tempo em que ele me censurava amargamente, numa roda revolucionária, pelo meu desinteresse em participar de uma passeata cívica contra a guitarra elétrica. Nunca tive nada contra esse instrumento, como nada tenho contra o tamborim. O importante é ter Mutantes e Martinho da Vila no mesmo palco.Mas, como eu ia dizendo, estava voltando da Europa e de sua música estereotipada, onde samba, toada etc. são ritmos virgens para seus melhores músicos, indecifráveis para seus cérebros eletrônicos. “Só tenho uma opção, confessou-me um italiano - sangue novo ou a antimúsica. Veja, os Beatles, foram à Índia...” Donde se conclui como precipitada a opinião, entre nós, de que estaria morto o nosso ritmo, o lirismo e a malícia, a malevolência. É certo que se deve romper com as estruturas. Mas a música brasileira, ao contrário de outras artes, já traz dentro de si os elementos de renovação. Não se trata de defender a tradição, família ou propriedade de ninguém. Mas foi com o samba que João Gilberto rompeu as estruturas da nossa canção. E se o rompimento não foi universal, culpa é do brasileiro, que não tem vocação pra exportar coisa alguma. Quanto a festival, acho justo que estejam todos ansiosos por um primeiro prêmio. Mas não é bom usar de qualquer recurso, nem se deve correr com estrondo atrás do sucesso, senão ele se assusta e foge logo. E não precisa dar muito tempo para se perceber “que nem toda loucura é genial, como nem toda lucidez é velha.”

Miedo (parte I)

Composição: Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis

http://www.youtube.com/watch?v=mLpjmVsW-is

Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienem miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienem miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tienem miedo de subir y miedo de bajar
Tienem miedo de la noche y miedo del azul
Tienem miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da

El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor

Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá

Tenho medo de acender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como un laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar

Tienem miedo de reir y miedo de llorar
Tienem miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienem miedo de decir y miedo de escuchar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tenho medo de parar e medo de avançar
Tenho medo de amarrar e medo de quebrar
Tenho medo de exigir e medo de deixar
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma sombra que o temor não desvia
O medo é uma armadilha que pegou o amor
O medo é uma chave, que apagou a vida
O medo é uma brecha que fez crescer a dor

El miedo es una raya que separa el mundo
El miedo es una casa donde nadie va
El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
El miedo es una fuerza que me impide andar

Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha
Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo

Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão

Medo de fechar a cara, medo de encarar
Medo de calar a boca, medo de escutar
Medo de passar a perna, medo de cair
Medo de fazer de conta, medo de dormir
Medo de se arrepender, medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez

Medo de fugir da raia na hora H
Medo de morrer na praia depois de beber o mar
Medo... que dá medo do medo que dá
Miedo... que da miedo del miedo que da

Chapeuzinho Amarelo (ou Medo - parte II)


Considero Chapeuzinho Amarelo - texto de Chico Buarque e ilustrações de Ziraldo - um livro-poema, de 1979, básico na estante das crianças.

Mas que também se apresenta como indispensável leitura para alguns adultos.
Para mim, funciona como uma resposta à postagem anterior, da música do Lenine. E sempre que começo a me sentir com o que chamo de angústia indefinida (ou medode sei-lá-o que) eu volto a consultar o texto do livro . Tem
serventia garantida em caso de recaída.



Para quem não conhece ou já não lembra, eis o texto integral e algumas imagens, extraídos do site do Chico (www.chicobuarque.com.br). Fica também como dica de presente às crianças neste Natal.


Era Chapeuzinho Amarelo. Amarelada de tanto medo. Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho. Já não ria. Em festa, não aparecia. Não subia escada nem descia. Não estava resfriada mas tossia. Ouvia conto de fada e estremecia. Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.



T
inha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra. E nunca apanhava sol Porque tinha medo de sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar. Não tomava sopa pra não ensopar. Não tomava banho pra não descolar. Não falava nada pra não engasgar. Não ficava em pé com medo de cair. Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.


E
ra Chapeuzinho Amarelo

E de todos os medos que tinha o medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO. Um LOBO que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de teia de aranha, numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do LOBO nem existia.

Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO. Um lobo que não existia.



E
Chapeuzinho Amarelo,
de tanto pensar no LOBO, de tanto sonhar com LOBO, de tanto esperar o LOBO, um dia topou com ele que era assim: carão de LOBO, olhão de LOBO, jeitão de LOBO e principalmente um bocão tão grande que era capaz de comer duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa.


O lobo ficou chateado de ver aquela menina olhando pra cara dele, só que sem o medo dele. Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco azedo, porque um lobo, tirado o medo, É um arremedo de lobo É feito um lobo sem pelo Lobo pelado. Mas o engraçado é que, assim que encontrou o LOBO, a Chapeuzinho Amarelo foi perdendo aquele medo, o medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO. Foi passando aquele medo do medo que tinha do LOBO. Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo. Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.

O lobo ficou chateado.
E ele gritou: sou um LOBO!

Mas a Chapeuzinho, nada!. E ele gritou: sou um LOBO!
Chapeuzinho deu risada. E ele berrou: Eu sou um LOBO!!! Chapeuzinho, já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa.

Ele então gritou bem forte
aquele seu nome de LOBO umas vinte e cinco vezes, que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem não estava falando: LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO-

Aí,
Chapeuzinho encheu e disse : "Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!" E o lobo parado assim do jeito que o lobo estava já não era mais um LO-BO Era um BO_LO. Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo da Chapeuzim. Com medo de ser comido com vela e tudo, inteirim. LO-BO-LO-BO

Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo, porque sempre preferiu de chocolate. Aliás, ela agora, come de tudo, menos sola de sapato. Não tem mais medo de chuva nem foge de carrapato. Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato, trepa em árvore rouba fruta, depois joga amarelinha com o primo da vizinha com a filha do jornaleiro com a sobrinha da madrinha e o neto do sapateiro.

Mesmo quando está sozinha,
inventa uma brincadeira. E transforma em companheiro cada medo que ela tinha: o raio virou orrái, barata é tabará, a bruxa virou xabru e o diabo bodiá.