sábado, 29 de dezembro de 2007

Depoimentos sobre Chico Buarque - 003

Rosiska Darcy de Oliveira
Escritora e Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 1999.

MAIS VELHO? TALVEZ...Aliás, certamente, embora, para nós que temos vinte anos há muitos anos, Chico seja sempre um guri. Mas o rosto de bronze é de um homem que sua, sofre e ri. Chico no palco outra vez. Que alívio. Chico está aí. Traz na voz as emoções melhores que já tivemos e as oferece, de novo, com a doçura de quem nos estende a mão.

Há tantos anos eu não ouvia a “Construção”. “Construção” que se atravessou na minha garganta como um tijolo desde os anos setenta. Não podia, não queria. Uma espécie de silêncio sagrado cercava em mim esse que é um dos mais belos poemas da língua portuguesa, meus olhos “embotados de cimento e lágrima”.

“Construção” foi o mais sólido desenho mágico de Chico, não apenas na poesia, na perfeição em cada andar dos versos, mas na arquitetura da vida de um homem que chega aos cinqüenta anos cercado de um amor e de um respeito comoventes.

Só quem o viu atravessar a avenida, “o Chico das artes, o gênio, poeta Buarque, boêmio”, carregado pela voz do povo e a bateria da Mangueira, chapéu de malandro e sorriso de lorde, só quem o viu voltar três vezes à cena do Canecão, sob as luzes diáfanas de Ney Matogrosso, colhendo os aplausos dos colegas de todos os ramos de arte que, de pé, o consagravam, só os que viram ou podem imaginar saberão que ali estava o que há de melhor em nós. Foi isso que Chico construiu. Construiu-se a si mesmo como um emblema de dignidade.

Construiu-nos a nós também. Há trinta anos, violão em punho, seresteiro nato, nos contando tudo aquilo que já sabemos, o amor, as mulheres, o desejo, a dor, mas sem pudor, próximo de cada um como um melhor amigo, aquele a quem se conta “o que dá dentro da gente que não devia”, “o que não tem governo nem nunca terá”, “o que não tem juízo”.

Construiu uma grande amizade nacional em torno dele, uma confraria de milhões, uma linguagem, expressões que são de todos os brasileiros, que permeiam as frases como citação ou como referências, senhas que sabemos que os outros entenderão. Um dia ouvi de um homem ferido pelo amor infeliz, citando a música, a pergunta sucinta: “O que é isso, quem brincava de princesa acostumou na fantasia?”. O drama desfez-se e juntos fomos em dueto até o fim da canção, a favorita e o mestre-sala. O que Chico melhor fez e faz é manter vivos os sonhos.

Nesse começo de ano sombrio, em que os ternos e as gravatas escuras ocupam páginas inteiras dos jornais crivados de más notícias, que bem faz esse homem solar, vestido de branco como convém ao verão carioca, lembrando ao Brasil as suas cidades, tantas, seus rostos tão diversos, suas raças misturadas, seus denominadores comuns, seu maestro companheiro, seu Antônio Brasileiro. Trazendo à vida os mortos queridos: Antônio Brasileiro de Almeida Jobim.

Não o conheço pessoalmente. Há anos descemos juntos em um elevador no Hotel L’Abbaye, em Paris, onde ambos costumávamos nos hospedar. Cumprimentei-o com a discrição com que trato as pessoas públicas em situação privada. Mas pensei, cá comigo, que calava um agradecimento que tinha na garganta.

Se não disse no elevador, por timidez e respeito, digo agora e de público. Chico, sou-lhe muito grata pelo bem que você faz ao Brasil, pelas alegrias que nos deu e que nos dá. E, por isso, em ritmo de “Construção”, finalizo: pela noitada acordada para melhor lhe ouvir, por essas horas felizes para relaxar e curtir, por nos fazer respirar, por nos fazer resistir, Deus lhe pague.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Construção” foi o mais sólido desenho mágico de Chico, não apenas na poesia, na perfeição em cada andar dos versos, mas na arquitetura da vida de um homem que chega aos cinqüenta anos cercado de um amor e de um respeito comoventes.

Nossinhora, vou chamar Mário Annuza para ler isso.

Mas, depois. Agora, estou ocupada ouvindo Wave, a melodia mais perfeita da música brasileira, na rádio EduStac.