sábado, 26 de janeiro de 2008

O anjo de pernas tortas

Obs: texto postado pelo Stefan




Garrincha com o uniforme do Botafogo,
time que defendeu de 1953 a 1965


“Vocês se lembram de Charles Chaplin em ‘Luzes da Ribalta’ fazendo o número das pulgas amestradas?”. Era assim que o cronista esportivo Nelson Rodrigues via Garrincha, um dos maiores gênios da história do futebol mundial, que faleceu há 25 anos, no dia 20 de janeiro de 1983.


Sua irreverência e genialidade encantam a todos até hoje. Até os que confessam não gostar de futebol se dobram aos dribles do “anjo de pernas tortas”, como foi chamado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade.Manuel Francisco dos Santos nasceu em Pau Grande, no Rio de Janeiro. Antes de encantar o mundo com seus dribles, Mané Garrincha (ou simplesmente Mané) enfrentou todas as agruras da miséria. Consta que as pernas tortas foram resultado de uma poliomielite adquirida na infância. Por causa da distrofia física, os médicos acharam que ele nunca seria capaz de andar direito, tampouco jogar bola. Erraram feio.Também erraram os cartolas do Vasco e do São Cristóvão, que o dispensaram em função das pernas tortas e de um desvio na coluna. Mané, então, procurou o Botafogo.

Na biografia A Estrela Solitária, de Ruy Castro, consta que a contratação de Mané se deu por insistência do jogador Nilton Santos que, no teste, tinha a função de marcá-lo. Tomou mais bola entre as pernas, dribles pelo meio, por fora, que acabou saindo do campo sem entender o que estava acontecendo. “Contrata logo, pelo amor de Deus, senão eu nunca mais vou poder dormir sossegado”, disse.O já consagrado Nilton Santos foi o primeiro a sentir na pele as diabruras de Mané. Dizem que o sono dos marcadores de Garrincha nunca mais foi o mesmo.

Alegria do Povo

O gramado virava o picadeiro de Mané, a bola lhe era submissa e a partida virava uma festa. “É ai que estava o milagre. O povo ria antes da graça, da pirueta. Ria adivinhando que Garrincha ia fazer sua grande ária, como na ópera. Como se sabe só jogador medíocre faz futebol de primeira. O craque, o virtuoso e o estilista, prendem a bola. Sim, ele cultiva a bola como uma orquídea de luxo”, sentenciava Nelson Rodrigues.Os dribles de Garrincha não tomavam conhecimento do adversário. Fosse quem fosse, o marcador era sempre algum “João” parafusado na lateral.

Quando a bola estava em seus pés, todos eram iguais.Muitas vezes parecia que o craque lutava sozinho contra os onze adversários. Eles os perseguiam, lutavam em vão como touros. Mas Garrincha era um matador. Depois de driblar dois, três, quatro jogadores, colocava suas mãos na cintura e esperava. O silêncio das multidões era o prelúdio das gargalhadas.

Do auge à decadência

O craque conheceu seu auge nas copas de 1958 e 1962. Na primeira, seu brilho foi um tanto ofuscado por um jovem e talentoso jogador chamado Pelé. Mas foi considerado o melhor de sua posição, a ponta-direita. Na segunda, Garrincha foi o responsável pela conquista do bicampeonato da seleção. Nessa Copa Pelé, já consagrado, não pôde jogar devido a uma contusão.No entanto, na maior parte de sua carreira, ele defendeu o Botafogo (1953 a 1965). Passou também pelo Corinthians (1966), Flamengo (1969) e também no Olaria, em 1972, quando já estava em fase decadente. Pela seleção atuou até 1966, ano em que a Inglaterra conquistou o mundial e o Brasil foi eliminado por Portugal.Se Garrincha foi chamado de “a alegria do povo”, sua vida foi marcada por muitas tragédias.

No final dos anos 60, Mané entrou numa espiral de decadência. Seu casamento com a cantora Elza Soares, muito condenado na época, estava nas últimas. Com a idade e a vida boêmia, Mané perdeu a agilidade para o futebol. Seus problemas se agravaram com o alcoolismo, que acabou o levando à morte.Em 1982, depois de vários anos sem ser visto publicamente, um Garrincha catatônico surgiu em um carro alegórico da Mangueira, que lhe prestava homenagem naquele carnaval.

Mané não conseguia nem ficar em pé para saudar a multidão que tanto lhe louvou. Anos depois, morreu pobre e solitário.Pernas tortas x perna de pau Nas lembranças e homenagens que serão rendidas ao craque, muitos dirão que Mané não teria espaço no futebol moderno. Infelizmente eles não deixam de ter uma certa razão. A alegria e a irreverência de Garrincha nada tem a ver como o futebol técnico, mecânico, defensivo, posteriormente apelidado como “futebol de resultado”, praticado por jogadores pagos a peso de ouro. E pior, uma mediocridade louvada por inúmeros jornalistas, jogadores e técnicos, chamados hoje em dia de “professores”.

Mesmo assim, a sombra da irreverência de Mané tenta sobreviver, como, por exemplo, no dible da foca do cruzeirense Kerlon, que controla a bola na cabeça e vai em direção ao gol. Em um jogo contra o Atlético Mineiro, ao tentar a jogada Kerlon foi agredido com violência e burrice, pelo seu marcador. O caso provocou polêmica e os arautos da mediocridade defenderam a agressão.

“Irreverência não pode, o que vale é dar porrada”, propagou aos quatro ventos o “professor” Joel Santana.O que esperar de um futebol cujos campeonatos são marcados pela corrupção, cartolagem e a crescente mercantilização das grandes empresas que patrocinam clubes e jogadores? E um campeonato de péssimo nível tecnico, onde o melhor jogador brasileiro é um goleiro? Não que Rogerio Cenni não mereça, mas o Brasil sempre foi um celeiro de artilheiros.

Infelizmente, no futebol dos pernas de pau, dos medíocres e ordinários, há cada vez menos espaço para espetáculos de “pernas tortas”.

Fonte: site do PSTU

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A vida é real e de viés


Desde a minha primeira e única gravidez , há nove anos, eu desenvolvi uma aversão total a cenas violentas. Não que gostasse delas antes, mas desde então sequer vejo trechos de filmes, o que vem limitando muito a vida de cinéfila. Se não aguento com a representação que dirá com o mundo real. Está cada vez mais dificil fugir, mas bem que eu tento. Ao saber sobre crimes hediondos, chacinas, homicídios procuro não passar do resumo da primeira página do jornal. Sei que não condiz com uma suposta preparação da minha profissão – jornalista – mas minha idade dá a prerrogativa de assumir certas limitações. Tenho uma amiga que diz que às vezes eu pareço viver no desenho infantil O Fantástico Mundo de Bob*.



Devo dizer que essa atitude de coar as coisas boas da realidade, pelo bem e pelo mal, eu venho repassando ao filhote, muitas vezes censurando o que considero violento na TV, nos games, nas brincadeiras.
E olha que posso me proclamar uma privilegiada. Em meus 40 anos, nunca fui assaltada. Algo que se pode qualificar como raro. Nem ao menos uma vez nos meus 27 anos de Recife, onde nasci, tampouco nos 13 anos da São Paulo onde vivo agora. Mas, infelizmente, isso perdurou até poucos dias atrás, quando fui assaltada e levaram meu celular. E ainda bem que só foi o aparelho.


Corrigindo:
junto com o celular, o assaltante levou embora também um pouco da minha leveza e ingenuidade.


É cruel lembrar o quão rápido a cena se dá. Estava andando na rua, distraída, falando ao celular. Ao desligar e parar para atravessar a rua, senti alguém apertar o meu braço e me virei para falar porque, inocente, achei que se tratava de um possível conhecido. Mas levei apenas alguns segundos para reconhecer a ordem simples, curta e direta, praticamente um sussurro ao pé da orelha. Apenas um clássico “passa o celular”, embalado pelo cano da arma que vi quase colado na minha costela esquerda. Eu nunca tinha visto de perto uma arma antes. Diria que a tremedeira que me acometeu foi instantânea. Sem dizer nada, apenas estendi a mão com o objeto. Mas eu tremia tanto que derrubei o celular bem quando fui entregá-lo. Por sorte, devia-se tratar de um profissional que não ficou nervoso com meu gesto atrapalhado.


Acho que apenas um minuto se passou, menos talvez. E, considerando as corriqueiras manchetes sobre violência urbana, posso afirmar que deu tudo 100% certo, por assim dizer. Ele não levou a minha vida, não me bateu e sequer levou a carteira e os documentos. Mas o choque da vida de verdade foi muito intenso. Nas dezenas de vezes que, involuntariamente, repassei o acontecimento nos dias que se seguiram foi inevitável concluir que a vida pode ser bem mais curta do que sabemos e, ainda, em muitos “se”: e se eu tivesse reagido, se tivesse gritado... e se o cara ficasse nervoso ou bravo porque derrubei o celular... e se não fosse só o celular...e (o pior deles) e se eu estivesse com meu filho...


Não sou neurótica sobre violência, nem pretendo vir a ser depois da traumática experiência. Mas é fato que nas ruas a vida já não vale mais que um mero celular e tudo se passa muito, muito rápido mesmo. E esse enfrentamento da realidade me fez repensar algumas coisas. Dois meses antes, o pai de Felipe conseguira a façanha de ter o celular levado por assaltantes em avenidas de grande movimento em SP - Rebouças e Marginal Pinheiros. Foram duas vezes no curto prazo de dez dias. Na época, apenas comunicamos o fato sem muitos detalhes. Até então, eu considerava que não convinha fazê-lo participar de algo tão adulto.


Logo tive de repensar. O filhinho que crio também vai se expor ao mundo lá fora e talvez já nem seja tão lá fora assim. Pode acontecer até no portão de casa. Mudei de opinião por absoluto pragmatismo. Ao menos, o pouco que podemos fazer de pragmático numa situação dessas: ser objetivo e rápido. Numa suposta cena de assalto ao carro que eu estou dirigindo, e meu filho está no banco de trás, acho que as únicas coisas que me caberiam são: tentar ficar calma, informar cada gesto meu e ser rápida, muito rápida. Ainda assim, precisaria contar com o tempo de destravar a porta de trás, abrir a minha, sair e retirar o meu filho. Então, não apenas eu deveria ser ligeira, mas também ele. E, como acredito piamente que Felipe herdou da mãe a enorme capacidade de distração e dispersão, tremi só de imaginar sua demora.


Qualquer deslize inocente e uma vida pode ser encerrada, sem mais nem menos, num cruzamento qualquer, sem tempo nem de compreender o que está acontecendo.
Quantas já não foram?




Claro que seguir o passo-a-passo que eu criei não nos dá garantia alguma de sobrevivência, mas o creio que o tempo gasto pode fazer diferença entre ficar para contar a história ou não. Acho que a sensação de ter sido assaltada pelo que suponho ser um profissional (objetivo, discreto e rápido) me fez pensar em usar o mesmo recurso estando na perspectiva oposta. Porque nessa hora somente o que importa é estar vivo e, de preferência, com saúde. O trauma psicológico pode ser resolvido depois.



Depois de muito ponderar, pensei que na idade dele (8) já seria possível compreender algumas coisas mais sérias por mais que me doesse fazê-lo. Infelizmente, viver totalmente imerso no Fantástico Mundo de Bob não nos prepara para enfrentar a vida real e de viés que muitas vezes se apresenta. Pode até ser pior. Planejei a minha abordagem e decidi ter uma conversa rápida, sem dramas, como quem mostra o roteiro do que poderia ser o Breve Guia de Conduta do Assaltado.




Comecei perguntando se ele sabia o que era um assalto propriamente dito. “É quando alguém rouba alguma coisa da gente”. Mais ou menos. Expliquei a diferença entre roubo e assalto e contei que um cara me abordou na rua, que ele estava armado e me mandou entregar o celular e eu o fiz prontamente. Contei que fiquei com medo, sim, mas que foi bem rápido e logo acabou. E que estava ali, conversando com ele, porque também ocorrem assaltos quando se está no carro, no trânsito. E que se um dia acontecer algo semelhante quando estivermos juntos, ele também precisa agir rápido e tentar ficar calmo. Que se, de repente, eu tivesse de falar "filho, vamos sair do carro agora!!!" seria como um código. Em seguida, eu iria descer rapidamente do carro, abrir a porta de trás e puxá-lo rapidamente. E, como ele já estava sabendo do código, era apenas para sair o mais rápido possível, sem reclamar ou tentar argumentar nada. Que a gente teria de ser bem rápido e só depois conversaria sobre o acontecido.


Expliquei que aquele papo era um pouco esquisito mas que não para ele ficar assustado. Era apenas para não estranhar tanto se eu tivesse que agir assim um dia, porque essas coisas acontecem. Que o carro, a bolsa, eventuais brinquedos que estejam nele não têm a menor importância. O que vale apenas é a vida. O resto depois a gente se vira. Olhando-me atentamente, ele pareceu compreender. Depois continuamos a brincar.



Se vai adiantar, não sei. E, sinceramente, espero nunca ser forçada a testar tal situação. Não foi fácil para mim, ex-moradora incauta do Fantástico Mundo de Bob, trazer uma realidade tão bizarra para o meu filho. Se fiz certo, eu também não sei. Mas me senti um pouco melhor em fazê-lo. Considero muito importante orientar as crianças para criarmos um mundo melhor lá na frente – de respeito às diferenças, de cordialidade, honestidade e de ações conscientes – mas nem tudo depende do que a gente quer. E às vezes a vida é um pouco menos divertida do que deveria ser. Claro que também não podemos ficar pensando sempre nisso, apenas ter algum cuidado, cautela.



Não pretendo começar a fazer drama, terror e deixá-lo paranóico daqui por diante. Nem poderia porque somos, por essência, distraídos. Também não deixarei de louvar a fantasia e o lado mágico de tudo o que nos cerca. É isso, afinal, que alimenta a alma, o coração, e nos dá fôlego novo. Mas creio que, editando um pouco menos o mundo real, talvez eu possa tirar a redoma protetora do pré-adolescente que brevemente terei em casa e enfrentará a rua. Tomara que, mesmo convivendo com a violência, a gente não deixe de sonhar (e buscar) viver em paz.


Publicado no portal de uma amiga, em agosto de 2007, dias depois de um rápido assalto na Av. Faria Lima, uma das principais de São Paulo.



* O Fantástico Mundo de Bob – quem não assistiu ao desenho animado, pode conhecer um pouco no site http://www.infantv.com.br/bobby.htm

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Estamos com febre?

Não sou jornalista. Não tenho nenhuma formação acadêmica ou sequer empírica para falar sobre jornalismo.
Mas sou cidadão, e como tal, estou horrorizado com o que tenho visto em minha cidade nas últimas semanas.
8 dias atrás, o jornal de maior circulação de Pelotas colocou uma reportagem falando sobre o perigo da febre amarela. Na matéria, pouco ou nenhum esclarecimento efetivo sobre a mesma. O tom era de caos. Aliou-se a esse jornal as incursões diárias do jornal nacional, sempre com vinhetas chamativas e âncoras com ar de preocupação. Nenhuma nota sequer falando sobre o ministro da saúde, que foi ao ar para falar que não havia risco de epidemia urbana, visto que o Brasil não tem casos da mesma desde 1942. A febre amarela é silvestre, apenas em zonas de mata.
A população não quis saber, afinal, que pra entender melhor de febre amarela que a Fátima Bernardes e o Willian Bonner?
O resultado desse estardalhaço nacional, todos já sabem, até ontem 33 pessoas internadas com superdosagem, duas em estado grave.
Mas me chamou atenção o resultado dessa irresponsabilidade jornalística aqui na minha cidade. O jornal de quarta-feira (23/01) estampava na primeira página:

" FEBRE AMARELA PROVOCA FILA DE TRÊS QUADRAS", e logo abaixo: " medo de contrair a doença infecciosa levou centenas de pessoas a esperar durante horas pelas 500 vacinas disponíveis e muitas não conseguiram."

No corpo da reportagem, uma frase me chamou atenção: "Embora as autoridades tenham deixado claro que é desnecessário buscar proteção quem não vai viajar para as áreas de risco, a população se inquieta a cada caso noticiado. E é esse medo que leva muitos a mentir que estão de viajem marcada, como forma de garantir a imunização."

Bem, qual a razão desse jornal não ter colocado na capa:

"PELOTAS NUNCA REGISTROU UM CASO DE FEBRE AMARELA NA SUA HISTÓRIA"?

Por que razão a mídia tem que semear o pânico dessa forma? Por que em momentos como esse, ela não serve de agente amenizador e informativo?

O resultado para a cidade foi o seguinte:

- Desgaste das autoridades de saúde, que embora tivessem 500 vacinas numa cidade livre da febre, foram consideradas incompetentes e responsáveis por deixar a população a mercê de uma epidemia.

- Algumas dezenas de pessoas que de fato iriam viajar tiveram que cancelar sua viajem.

- Cambistas vendendo lugares em filas, numa atitude das mais mesquinhas do ser humano, independente da necessidade.

- Ocupação desnecessária de postos de saúde, com redução no atendimento a quem realmente necessitava (em geral, crianças)

Isso só na minha cidade, imaginem pelo Brasil afora!

E eu pergunto, caros amigos:

O papel da imprensa nesse caos, não foi decisivo?

Ficou claro pra mim que a força que a mídia adquiriu sobre as massas ganhou proporções perigosas. Principalmente se ela continuar se revelando irresponsável como nesse caso.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

QUARTA POÉTICA

Fernando Pessoa





Ah um Soneto!!!

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...

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A minha vida é um barco abandonado

A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado?

Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Sobre a relatividade da nobreza e da beleza



Luiz Botelho



Quando eu ainda era uma criança, perguntaram numa prova o nome de dois bairros nobres de Salvador. Por eu ter respondido Mouraria e Tororó, dois bairros de classe média baixa, além do zero na questão, fui alvo de gozações tanto na escola como em casa.

Nesta mesma época, quando eu cursava o primeiro 2º ano primário (fui reprovado nesta série por duas vezes), houve um concurso de Miss na escola, onde cada classe escolheu, através de voto secreto, sua candidata para concorrer ao título. Na minha turma todos votaram numa mesma menina – menos eu. Quando a professora citou o nome da minha escolhida, todos na sala caíram na gargalhada. Recordo como se fosse hoje o olhar de reprovação que a professora lançou em minha direção, o que me fez gelar da cabeça aos pés. Certamente ela reconheceu a minha péssima caligrafia no voto lido.

Não me lembro da fisionomia da garota escolhida pela turma, se feia ou bonita, mas sei que era loira. Da minha preferida também não guardo nenhuma lembrança do seu semblante, mas recordo que era negra e votei nela porque era a minha melhor amiga na escola.

Quando minha mãe veio me pegar naquele dia, convocaram-na para uma conversa com a Diretora. Até hoje não compreendo muito bem o motivo de eu ter levado uns puxões de orelha e algumas palmadas quando cheguei em casa. Acho que todos pensaram que eu votei na minha melhor amiga apenas para tirar um sarro dela.

No dia do concurso, a candidata da minha turma, talvez por não suportar a grande responsabilidade de nos representar, sentiu-se mal durante o desfile e desmaiou. Lembro perfeitamente que naquele exato momento algo dentro de mim sorriu e falou secretamente: "Viram? A minha candidata era melhor".

Eu devo ser realmente uma pessoa muito estranha. Até hoje considero como nobre as seguintes localidades: Mouraria, onde moravam alguns tios e tias; Tororó, de onde guardo deliciosas lembranças dos meus avós e da minha querida bisavó; Ladeira da Independência, onde nasci; Campo da Pólvora, onde passei minha infância e adolescência; e Stiep, onde moro desde 1984 e do qual, acho, só sairei para um nobre cemitério.

Aliás, pensando bem, é melhor eu deixar que os outros escolham o local da minha última morada.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Sobre pequenos feitos de um Clube

O futebol é feito de grandes conquistas. Times são lembrandos pelos seus grandes títulos, suas vitórias memoráveis.
Esses grandes clubes arrebanham torcedores diariamente, formando uma massa de milhões de pessoas.
Mas e os pequenos clubes? Aqueles que tem uma torcida pequena, de cidades do interior. Esses são o verdadeiro sustentáculo do futebol, mantendo a chama do esporte com pequenos grandes feitos, como os que relatarei aqui, do Brasil de Pelotas.

O Brasil foi fundado no dia 7 de Setembro de 1911, sendo o primeiro campeão gaúcho, em 1919. De lá pra cá, ganhou alguns títulos de pouca expressão, como a copa Rio Grande do Sul, em 1995. Mas não estou aqui pra falar em conquistas, mas em paixão. E aí, os grandes feitos do Brasil de Pelotas são dignos de um grande clube.
O Brasil tem a maior torcida do interior do Rio Grande do Sul, batendo inclusive o Juventude, clube de expressão nacional. Essa torcida aumentou e aumenta ainda hoje, devido aos pequenos feitos que deram origem a essa crônica, a saber:

Em 1920, a seleção brasileira de futebol convocou o primeiro jogador gaúcho para a seleção brasileira, tratava-se de Alvariza, atacante do Brasil. Alvariza foi artilheiro da seleção brasileira no sul-americano daquele ano, voltando a Pelotas como herói, saudado por uma multidão nas ruas da cidade.

Em 1983, o técnico do Xavante era Luis Felipe Scolari, que foi vice campeão gaúcho com um time modesto, perdendo a final para o Inter. Aqui em Pelotas, e no Brasil, foi onde Felipão conheceu Murtoza, que é seu companheiro até hoje.

Em 1950, o Brasil foi ao Uruguai, fazer um amistoso contra nada mais nada menos que a celeste olímpica. Resultado: Um histórico 2x1 para o Brasil. Dois meses depois, o Uruguai seria campeão do mundo. Nessa partida estava galego, que depois viria a se tornar um dos maiores técnicos do futebol gaúcho.

Depois dessa incrível vitória, o Brasil foi convidado para jogar em diversos países. Optou por excursionar pelas américas. O saldo foi sensacional: 28 jogos, 16 vitórias, 6 empates e 6 derrotas. Venceu times como o Olímpia, campeão nacional daquele ano, que não perdia há 16 anos.
Infelizmente essa grande equipe se desfez por falta de um patrocínio que conseguisse manter os craques na baixada (estádio do Brasil).

No ano de 1997, o Brasil chegou as semifinais do campeonato gaúcho. E tinha um time para ser campeão. O alvoroço estava formado na cidade. A equipe tinha uma torcida apaixonada do seu lado, um bom time e estava organizado. Seriamos campeões.
Mas antes precisavamos bater o poderoso Grêmio de Porto Alegre. Logo de cara, uma ducha de água fria: O Brasil não poderia jogar em seu estádio, teria que jogar em Rio Grande, no estádio Aldo Dapuzzo (capacidade para 12 mil pessoas, contra 25 mil da baixada). Resultado do jogo 1x1. Decisão seria em Porto Alegre. Ninguém se abateu. No dia do jogo mais um feito histórico. Narrador da rádio Guaíba diz que era a primeira vez que o Grêmio estava jogando em casa com torcida contra. Mais de 12 mil rubro negros invadiram o estádio olímpico. Lembro que eu chorava de emoção só de ouvir o grito da torcida.
Mas o jogo começa, luizinho faz o primeiro gol do Brasil e mostra as veias do braço, numa alusão as declarações feitas pelo técnico do Grêmio, Sebastião Lazaroni, que havia dito que os jogadores do Brasil estavam chapados.
O jogo segue, o Grêmio vira pra dois a um. O brasil empata a 5 minutos do fim. Decisão seria por penaltys. Derrota amarga depois de 12 cobranças. Mas o time voltou para a cidade com festa, a avenida lotada para receber os heróis. Conseguimos arrebanhar uns dois mil jovens torcedores naquela noite.

Mas o grande feito do Brasil, com o qual finalizo, foi o terceiro lugar no campeonato brasileiro de 1985, não apenas pelo terceiro lugar, mas pela segunda vitória consecutiva sobre o poderoso Flamengo. No campeonato anterior o Brasil havia vencido por 1x0, no maracanã. Agora era na baixada.
Era uma noite de quarta-feira, o estádio estava lotado, mais de 25 mil pessoas. Um silêncio sepulcral quando da entrada do poderoso Flamengo. E la vinha Mozer, Fillol, Nunes, Leandro, e ele, o poderoso Zico. Depois entra o Xavante, a estupefação com a entrada do Flamengo se vai por água abaixo, agora é só festa.
O campo estava de caída, só dava Flamengo. Até que o futebol resolveu mostrar o motivo dele ser apaixonante. O zagueiro do Brasil da um balão pra frente, na metade do segundo tempo, Mozer e Fillol vão na bola, e o impossível acontece. Os dois se chocam atabalhoadamente e a bola sobra limpa, nos pés de Bira burro, o centrovante matador. Ele nem acredita no que vê, e só tem o trabalho de empurrar a bola pra dentro do gol.
A pressão do Flamengo aumenta, no final do jogo ela já é insuportável. E é nesse momento que Junior Brasília pega a bola na inteermediárea do campo de defesa, avança até o meio do campo e, não tendo com quem jogar, se livra dela com um chute (que ele encabuladamente disse depois ser um cruzamento). Era tudo que a torcida queria, aquela bola tinha que ficar pelo menos mais 5 minutos no ar, e todos dentro do estádio se concentraram nisso. Mas não foi o que aconteceu, o que a bola fez foi sair em disparada em direção ao gol de Fillol, tão rápida que o goleiro não viu quando ela caprichosamente entrou no ângulo. A explosão estava completa. Vitória por 2x0 e festa durante dois dias na cidade.
Tinha 25 mil pessoas no estádio, mas se você perguntar nas ruas quem foi ao jogo, tinha pelo menos 100.000. Tem até gente que nasceu em 1986 que diz que foi ao jogo.
É por isso que o futebol é lindo, o grande feito do meu Brasil foi vencer o Flamengo, e já basta para nós torcedores apaixonados.
Abraços.

Julinho da Adelaide, 24 anos depois



Mário Prata


1998

Eu me lembro até da cara do Samuel Wainer quando eu disse que estava pensando em entrevistar o Julinho da Adelaide para o jornal dele. Ia ser um furo. Julinho da Adelaide, até então, não havia dado nenhuma entrevista. Poucas pessoas tinham acesso a ele. Nenhuma foto. Pouco se sabia de Adelaide. Setembro de 74. A coisa tava preta.

- Ele topa?

- Quem, o Julinho?

- Não, o Chico.

O Chico já havia topado e marcado para aquela noite na casa dos pais dele, na rua Buri. Demorou muitos uísques e alguns tapas para começar. Quando eu achava que estava tudo pronto o Chico disse que ia dar uma deitadinha. Subiu. Voltou uma hora depois.

Lá em cima, na cama de solteiro que tinha sido dele, criou o que restava do personagem.

Quando desceu, não era mais o Chico. Era o Julinho. A mãe dele não era mais a dona Maria Amélia que balançava o gelo no copo de uísque. Adelaide era mais de balançar os quadris.

Julinho, ao contrário do Chico, não era tímido. Mas, como o criador, a criatura também bebia e fumava. Falava pelos cotovelos. Era metido a entender de tudo. Falou até de meningite nessa sua única entrevista a um jornalista brasileiro. Sim, diz a lenda que Julinho, depois, já no ostracismo, teria dado um depoimento ao brasilianista de Berkely, Matthew Shirts. Mas nunca ninguém teve acesso a esse material. Há também boatos que a Rádio Club de Uchôa, interior de São Paulo, teria uma gravação inédita. Adelaide, pouco antes de morrer, ainda criando palavras cruzadas para o Jornal do Brasil, afirmava que o único depoimento gravado do filho havia sido este, em setembro de 1974, na rua Buri, para o jornal Última Hora.

Como sempre, a casa estava cheia. De livros, de idéias, de amigos. Além do professor Sérgio Buarque de Hollanda e dona Maria Amélia, me lembro da Cristina (irmã do Julinho, digo, Chico) e do Homerinho, da Miúcha e do capitão Melchiades, então no Jornal da Tarde. Tinha mais irmãos (do Chico). Tenho quase certeza que o Álvaro e o Sergito (meu companheiro de faculdade de Economia) também estavam.

Quem já ouviu a fita percebeu que o nível etílico foi subindo pergunta a resposta. O pai Sérgio, compenetrado e cordial, andava em volta da mesa folheando uma enorme enciclopédia. De repente, ele a coloca na minha frente, aberta. Era em alemão e tinha a foto de uma negra. Para não interromper a gravação, foi lacônico, apontando com o dedo:

- Adelaide.

Essa foto, de uma desconhecida africana, depois de alguns dias, estaria estampada na Última Hora com a legenda: arquivo SBH. Julinho não se deixaria fotografar. Tinha uma enorme e deselegante cicatriz muito mal explicada no rosto.

Naquelas duas horas e pouco que durou a entrevista e o porre, Chico inventava, a cada pergunta, na hora, facetas, passado e presente do Julinho. As informações jorravam. Foi ali que surgiu o irmão dele, o Leonel (nome do meu irmão), foi ali que descobrimos que a Adelaide tinha dado até para o Niemeyer, foi ali que descobrimos que o Julinho estava puto com o Chico:

- O Chico Buarque quer aparecer às minhas custas.

Para mim, o que ficou, depois de quase 25 anos, foi o privilégio de ver o Chico em um total e super empolgado momento de criação. Até então, o Julinho era apenas um pseudônimo pra driblar a censura. Ali, naquela sala, criou vida. Baixou o santo mesmo. Não tínhamos nem trinta anos, a idade confessa, na época, do Julinho.

Hoje, se vivo fosse, Julinho teria 55 anos. Infelizmente morreu. Vítima da ditadura que o criou.

Há quem diga porém que, como James Dean e Marilyn Monroe, Julinho estaria vivo, morando em Batatais, e teria sido ele o autor do último sucesso do Chico, “A Foto da Capa”. Sei não, o estilo é mesmo o do Julinho. O conteúdo então, nem se fala.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Em pauta, o plano de Luiz Botelho

Paulo Leandro


O amigo Luiz Botelho nos acompanha dos extintos tempos do Mega e do Brado, no outrora A TARDE Esporte Clube, ainda hoje estruturado um tanto parecido no físico, mas já se diferenciando na alma.

A idéia dele é realizar um campeonato do Norte e Nordeste, considerando a existência de brasis diferentes dentro do Brasilzão geral. Mais ou menos como se pretendia com a criação e o fortalecimento da Liga do Nordeste.

Um incômodo para o poder central da CBF, embora possa parecer mesmo uma boa solução, tanto para o Brasil desenvolvido do Sul-Sudeste quanto para a parte menos bafejada pela sorte de ter um produto interno bruto e uma renda per capita de campeão.

Seria o começo simbólico de uma separação política, quem sabe, já que a convivência de paulistas e sergipanos, cariocas e cearenses, nunca foi lá essas coisas e viver junto quando já não se ama é alguma coisa como torturar o espírito.

Botelho impressiona pela capacidade de guardar e pesquisar dados importantes e parte deste vastíssimo material que havia sido publicado nos antigos tempos de impresso hoje ele nos dá o privilégio de oferecer em alguns links da seção GigaFone, aqui nesta área.

Nada mais justo que o pleito do amigo leitor de antanho e internauta de agora. Afinal, os clubes das regiões Norte e Nordeste teriam muito mais chances de crescer, disputando entre si uma competição nacional.

Poderia até ter um cruzamento posterior com os bacanas do Brasil mais desenvolvido, mas uma competição nacional só entre o pessoal da sanfona de Luiz Gonzaga seria bem animada, para o melhor proveito das torcidas.

A experiência da Copa do Nordeste, primeiro um torneio tipo mata-mata, foi um sucesso. Depois, foi a vez do Campeonato do Nordeste, desta vez um pouco mais longo e em sistema classificatório com pontos corridos. Nova alegria da nação nordestina.

Lembra da decisão entre Bahia e Sport? A rivalidade entre os estados da região já sustenta a proposta de Luiz Botelho e, com certeza, poderia atiçar o interesse de empresas para bancar parte dos custos, linkando futebol com economia e negócios.

Problema é mexer com o poderzinho de quem está bem assentado nos tronos das federações estaduais, pois um campeonato da região poderia ser o golpe de misericórdia nos moribundos disputados apenas entre os clubes de cada estado, fórmula antiquada.

Os campeonatos estaduais sendo disputados mais rápidos, em três meses, no máximo, daria o tempo necessário para a entrada em cena do Norte-Nordeste mais longo, em contraste com a estrutura atual das três séries.

Embora tenha o mérito de valorizar por critério técnico o acesso e o descenso, o método das três séries tem contra si a evidência de aprofundar o fosso entre os brasis. Vejam o que tem acontecido com os clubes do Nordeste que conseguem chegar à Série A.

É como se o Campeonato supostamente Brasileiro legitimasse a má distribuição de riquezas dos vários brasis que existem sob o comando de Brasília. Ou se muda o País e se equilibra o futebol ou é melhor mesmo buscar outros caminhos na bola e na vida.

Não sei o que os antigos colaboradores do jornal impresso acham sobre o tema, já que não têm contribuído com a mesma assiduidade nos tempos contemporâneos do espaço digital, talvez por acharem que não terão a visibilidade imaginada.

Seria interessante ler o que as pessoas acham da idéia que Luiz Botelho defende a ponto de associar seu nome à decisão de tornar-se um defensor do Campeonato Brasileiro do Norte-Nordeste. Quem sabe, nasce uma semente separatista para o bem de todos.


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(Quem quiser receber a proposta completa sobre a criação do Campeonato Brasileiro do Norte-Nordeste, escreva para luizbotelho@atarde.com.br solicitando o arquivo doc)