terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Sobre a relatividade da nobreza e da beleza



Luiz Botelho



Quando eu ainda era uma criança, perguntaram numa prova o nome de dois bairros nobres de Salvador. Por eu ter respondido Mouraria e Tororó, dois bairros de classe média baixa, além do zero na questão, fui alvo de gozações tanto na escola como em casa.

Nesta mesma época, quando eu cursava o primeiro 2º ano primário (fui reprovado nesta série por duas vezes), houve um concurso de Miss na escola, onde cada classe escolheu, através de voto secreto, sua candidata para concorrer ao título. Na minha turma todos votaram numa mesma menina – menos eu. Quando a professora citou o nome da minha escolhida, todos na sala caíram na gargalhada. Recordo como se fosse hoje o olhar de reprovação que a professora lançou em minha direção, o que me fez gelar da cabeça aos pés. Certamente ela reconheceu a minha péssima caligrafia no voto lido.

Não me lembro da fisionomia da garota escolhida pela turma, se feia ou bonita, mas sei que era loira. Da minha preferida também não guardo nenhuma lembrança do seu semblante, mas recordo que era negra e votei nela porque era a minha melhor amiga na escola.

Quando minha mãe veio me pegar naquele dia, convocaram-na para uma conversa com a Diretora. Até hoje não compreendo muito bem o motivo de eu ter levado uns puxões de orelha e algumas palmadas quando cheguei em casa. Acho que todos pensaram que eu votei na minha melhor amiga apenas para tirar um sarro dela.

No dia do concurso, a candidata da minha turma, talvez por não suportar a grande responsabilidade de nos representar, sentiu-se mal durante o desfile e desmaiou. Lembro perfeitamente que naquele exato momento algo dentro de mim sorriu e falou secretamente: "Viram? A minha candidata era melhor".

Eu devo ser realmente uma pessoa muito estranha. Até hoje considero como nobre as seguintes localidades: Mouraria, onde moravam alguns tios e tias; Tororó, de onde guardo deliciosas lembranças dos meus avós e da minha querida bisavó; Ladeira da Independência, onde nasci; Campo da Pólvora, onde passei minha infância e adolescência; e Stiep, onde moro desde 1984 e do qual, acho, só sairei para um nobre cemitério.

Aliás, pensando bem, é melhor eu deixar que os outros escolham o local da minha última morada.

5 comentários:

" Sobre Todas as Coisas" disse...

Muito bom Luiz....

mesmo.

Abração !!!

Daniel disse...

Que pequena maravilha você postou Luiz. Estou bêbado agora, é verdade. Talvez por isso esteja chorando. Mas me lembrei de tantas coisas nessa tua crônica que vou te contar...
Maravilha!

Anônimo disse...

Nossa, Luiz. Que bom ler essas coisas. Eu tb puxei coisas do fundo do bau na memoria na hora que li.

Luiz Botelho disse...

Desculpe-me turma! Não consigo responder a nada. Eu era tão criança...

Anônimo disse...

Como a Andréa, também puxei do fundo do baú situações que vivi na minha infância. Algumas bem parecidas com essas que contou, Luiz. Beijos!