terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Artigos escritos sobre Chico Buarque - 003

Hermínio Bello de Carvalho
No livro Sessão Passatempo

A casa, na Rua Buri, ficava perto do estádio do Pacaembu. Lembro de um vitrô, de um espelho enorme, todo bisotado, de um aparato antigo feito de cobre ou zinco (o que seria?), de uma escada que levava ao segundo andar e de muitos livros. E, claro, no meio deles, o mestre Sérgio Buarque de Holanda. Dona Maria Amélia serviu cafezinho ou uísque? Não recordo. E nem tampouco me lembro em que circunstâncias fomos, Maurício Tapajós e eu, dar com os costados por lá.

Perdemos a conta, Mauricinho e eu, das vezes que fomos a São Paulo assistir ao “Morte e Vida Severina” do João Cabral de Melo Neto, musicada pelo Chico. 1965, 1966? Não me lembro. Perto do teatro, e era o Tuca, havia um barzinho. Ali nos encontrávamos, antes e depois do espetáculo. Maurício, menos introvertido que eu, aprochegou-se logo de Chico - os dois com a mesma faixa etária, aí pelos 21 anos. Mas, engraçado, não vejo meu parceiro na foto do time que me acolheu como seu mais desastrado e ridículo goleiro, na única partida de futebol, aliás, de que participei na vida. Chico, Toquinho, João Evangelista - por onde andava Maurício? Deve ter ficado no Rio, integrando os movimentos políticos contrários à ditadura recém-instalada.

Falo da casa do professor Sérgio e me lembro do apartamento de Chico e Marieta na Lagoa, onde, claro, devo ter sido levado por Mauricinho - a essa altura dos acontecimentos, já amigo fraterno de Chico. Parceiro morto, nem assim hão de duvidar das palavras que dele ouvi: a invulnerabilidade do caráter de Chico, sua postura de artista, sua coerência, sua absoluta fidelidade aos verdadeiros amigos. Virgínia, ex-mulher de Maurício e mãe de Márcio e Lúcio, conta que, durante cinco meses seguidos, ela doente, teve seus filhos sob a guarda carinhosa de Chico e Marieta, que diariamente os levava para casa. Quando Chico ganhou o “Golfinho de Ouro”, na surdina repassou o cheque do prêmio para seu ídolo, o compositor Ismael Silva, que vivia em estado de absoluta pobreza. Sem alarde. Como é de seu feitio. Pergunto-me se não estarei invadindo a privacidade de Chico, contando essas coisas. Apenas tento dimensionar o grande homem que coabita o imenso artista.

Olho para nossa foto, os dois paramentados em verde-e-rosa, integrantes da Comissão de Frente da Mangueira em 1987, no enredo que homenageava Drummond. O primeiro ensaio foi lá em casa, Chico apareceu meio cansado, quando fui ver estava estirado num sofá da sala, dormindo. Me emputeço. Deveria estar é no meu quarto, na mesma cama que já embalou o sono de Mãe Quelé e da Divina Elizeth, onde Pixinguinha cochilou após alguns uísques. Tímido, ele jamais invadiria, sem pedir licença, o aposento de alguém.

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