quarta-feira, 5 de março de 2008

SOBREVIVÊNCIAS

Texto de um amigo meu poeta, Roberto, morando em João Pessoa

- Houve um tempo em que eu não contava estrelas.
- Nem admirava os olhos de uma bela mulher.
- Nem dava a mínima atenção à lua.
- Não enxergava o desabrochar das flores.
- Não ouvia o canto dos pássaros.
- Nem o ruído manso da chuva na vidraça.
- Não afagava os animais.
- E não tinha a menor idéia que havia amanheceres.
- Que havia raios de sol no entremeio das folhas da relva.
- Eu me lixava pras felicidades.
- Comer era um gesto mecânico para sobreviver.
- Não deixava a música penetrar no meu íntimo.
- Lacrava em caixas os livros de poesia que encontrava.
- O riso era encarcerado.
- O bom-humor, artigo de luxo.
- O querer bem uma fatalidade.
- Houve um tempo em que eu me neguei como pessoa.
- Me entreguei ao mundo dos ausentes.
- E passei momentaneamente pela vida como um viajante sem bagagens.
- Um viajante sem rumo.
- Um homem que simplesmente necessitou sobreviver.

- E os que sobrevivem não têm tempo para encantamentos,
se perdem no pântano das necessidades diárias e reais e não enxergam,
à sua frente, o lado simples e mágico da vida.

- Houve um tempo em que sobrevivi a mim mesmo.
- Hoje ainda carrego marcas da minha sobrevivência.
- Mas já consigo sentir um pequeno arrepio a cada manhã.
- Consigo enxergar o sol.
- A delicadeza da água.
- Os olhos do meu filho.
- Sinto as asas crescerem.
- Qualquer dia acordarei anjo.
- E voarei pelas minhas entranhas à procura dos meus arrebóis.
- E me tornarei novamente uma pessoa.
- Sem remorsos!

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