terça-feira, 18 de março de 2008

A deliciosa gramática de Millôr


Millôr Fernandes

Texto de Jorge Portugal

Caiu em minhas mãos, dada de presente pelo grande cineasta baiano Eduardo Spilberg, uma publicação mensal intitulada “Língua Portuguesa”, da editora Segmento. Excelente revista. Lúcida em sua determinação editorial de contemplar a pluralidade das vertentes que pensam e refletem sobre o fenômeno da linguagem, rica em suas incursões pelos deslumbrantes caminhos de nossa literatura, enfim, um periódico que fazia falta a todos aqueles que lidam com o tema, quer sejam diletantes, pesquisadores ou professores.

Nesse primeiro número, o destaque vai para uma entrevista com o escritor, humorista e pensador da cultura Millôr Fernandes. Rápido no raciocínio e afiado nas respostas, Millôr é daquelas pessoas que parecem viver em estado permanente de criação. Não bastasse ter sido ele um dos mentores do jornal “O Pasquim”, bíblia semanal da inteligência brasileira na década de 70, em “Língua Portuguesa”, transforma-se em um “gramático” crítico de regras gramaticais que considera esdrúxulas ou despropositadas. São comentários e reflexões feitos com a mesma verve mordaz e demolidora que caracteriza os textos de Millôr.

Ao comentar, por exemplo, a gênese e a trajetória das palavras, diz: “As palavras nascem saudáveis e livres, crescem vagabundas e elásticas, vivem informes, informais e dinâmicas. Morrem quando contraem o câncer do significado definitivo e são recolhidas ao CTI dos dicionários.” Alguém poderia dizer tudo isso com estilo igual ou com maior precisão?

Em outro delicioso momento, desconstruindo inteiramente o que aprendemos acerca de morfologia e classes gramaticais, Millôr Fernandes afirma que “é evidente que no princípio foi a interjeição, insopitável pelo espanto diante do fogo, do raio. Depois foi o substantivo para designar a pedra e a chuva. E logo, o adjetivo, que fazia tanta falta para ofensas. Mas eles continuam insistindo que no princípio era o verbo”.

O que ressalta nessa “gramática” de Millôr é que o olhar não-acadêmico, de quem maneja a língua e não apenas a estuda, aliado a uma afiadíssima capacidade criativa, pode nos ensinar, brincando, coisas que a linguagem hermética dos especialistas teima em nos apresentar de modo afetado e insosso. O humor é forma suprema de comunicação e a aprendizagem, que deveria ser filha do prazer, poderia ser mais eficaz se viesse acompanhada de uma boa gargalhada.

A última: “Que língua a nossa! A palavra oxítona é proparoxítona.” Viva Millôr!

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