quinta-feira, 13 de março de 2008

Josephine Baker


O Pasquim – 1969

É difícil voltar a O PASQUIM depois de tanta ausência, principalmente porque prometi, e vou ficar devendo, uma entrevista com Josephine Baker. Para quem não se lembra ou não era nascido, Josephine foi a bacana lá da Martinica, a tal que se vestia de banana nanica. Profetizou a minissaia, valorizou a pele mulata, espalhou o charleston, despertou paixões e escandalizou os puros. Pouco a pouco foi trocando o escândalo pela caridade pública, as bananas pelo vestido longo. Hoje, com 63 anos, volta ao palco porque não tem outros meios e precisa sustentar 14 filhos adotivos. Acompanhei-a, junto ao “bravíssimo chitarrista brasiliano Toquiño”, em seus 45 dias de tournée pela Itália. 45 vezes esperei a oportunidade de lhe falar d'O PASQUIM, do Sérgio Cabral que reclama e da leitora que me chama de relapso. Mas Josephine só dá entrevistas coletivas, sempre muito simpáticas, sempre muito profissionais, sempre mãe adotiva de 14 crianças de todas as raças. Evidentemente não a impressionei, nem como repórter amador, muito menos como menino desamparado. Num desses coquetéis à imprensa cheguei até a posar ao lado dela para as fotografias. Dia seguinte comprei todos os jornais, mas só deu retrato de Josephine Baker às vezes com um pedaço de bochecha minha. Sem fotos e sem entrevista, resta-me a lembrança de 45 espetáculos assistidos vagamente dos bastidores.

Josephine entra em cena pedindo desculpas, pois na sua idade não há pernas que agüentem um charleston. Aí ela dança um charleston. Hélas, mes amis, já não tenho pernas para a minissaia. Aí ela senta lá dum jeito que o público aplaude com entusiasmo os 63 anos sem varizes ou celulite. Segue uma bossa-nova francesa que não é boa não. Boa é a sua interpretação de “La vie en rose”. Fala de Edith Piaf com muito carinho, muda para um potpourri de boogie-woogies, desce à platéia e vai conversar com a primeira fila. Geralmente perco essa parte do show porque tem alguém que me procura no camarim. Chego lá, não paga dez, é brasileiro.

“Eu estava aqui passando e vi seu nome...”

Brasileiro está sempre passando em qualquer fim-de-mundo. Feitas as confraternizações pergunto como vão às coisas no Brasil e o brasileiro diz que vão mal, apesar da classificação nas eliminatórias para o México. No resto, diz ele que as coisas vão muito mal porque a televisão é aquela mesma coisa, os programas não mudam, só tem um agora que as pessoas ficam provocando até que Rio e São Paulo começam a brigar. “Fora isso, Juca, muitas saudades de você, daquela sua música, A praça, minha filha sempre pergunta onde é que anda o Juca, e tem meu filho que todo mundo acha que é a sua cara.” Antes de se despedir, o brasileiro ainda me chama de Juca umas cinco vezes e diz que é meu muito admirador. Voltando ao show, encontro tudo mudado, a luz roxa, a música solene e Josephine que dedica uma mensagem de paz à humanidade. Canta “Quand je pense a ça”, e o ça que ela pensa são os pobres órfãos, as guerras, os preconceitos raciais, etc.

Quando pensa nisso, dá-lhe uma espécie de tonteira e ela cai no chão com as mãos no rosto, a cortina sobe e desce, o público aplaude e só então ela esquece os pobres órfãos, as guerras e os preconceitos raciais. Levanta-se e manda todo mundo sorrir ao amor, sorrir à vida, sorrir ao próximo, sourrir toujours sourrir, encerrando o espetáculo com aquilo que o Ciro Monteiro costuma chamar de hipotenusa final.

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