sábado, 3 de maio de 2008

Chico e o sucesso - 1988

Arthur Xexéo

Na contracapa de seu primeiro LP, lançado em 1966, o próprio Chico Buarque tentava se apresentar. “Pouco tenho a dizer além do que vai nestes sambas”, resumia. E que sambas! Neste primeiro disco, Chico já cantava Olê olá, Pedro pedreiro. Passados 22 anos, a situação não mudou muito. Que mais dizer de Chico Buarque além do que vai em seus sambas, maxixes, marchinhas, chorinhos, marchas-rancho, boleros, sambas-canções, reggaes, rocks, sambas-enredo, blues e o que mais ele tenha composto numa carreira formada por uma quase inacreditável sucessão de clássicos? De A banda a Vai passar foram duas décadas de incontestável genialidade e adesão do público.

A genialidade, às vezes, foi contestada. Mas a adesão do público, nunca. Ela começou, aliás, bem antes de seu primeiro disco. Em 1962, durante a Semana Cultural do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, a platéia de estudantes vibrava com a apresentação da dupla Carioca e Rutinha. Ninguém sabe que fim levou a Rutinha. Mas o Carioca, que no tal show mostrava A marcha, de sua autoria, transformou-se na unanimidade nacional que, quatro anos depois, arrebataria o Brasil com A banda. Só o Brasil não. Em 1978, A banda passou a fazer parte do repertório da Band of Irish Guards, uma das cinco corporações musicais que se apresentam durante a troca de guarda do Palácio de Buckingham. Chico estourou na Inglaterra e em todos os recantos do mundo onde prevalece o bom gosto musical.

Qual foi o segredo? De início, dizia-se que ele recuperava a tradição de Noel Rosa e chamava-se a atenção, exclusivamente, para a sua poesia. “Chico Buarque tem com as palavras uma relação de amor”, escreveu certa vez o cronista José Carlos Oliveira. Mas não era só isso. Não foi a poesia de Chico, mas a bem construída melodia de Pedro pedreiro, cantada na Faculdade de Arquitetura que o artista cursou antes de estourar com A banda no Festival da TV Record de 1966, que levou o pessoal do TUCA a convidá-lo para musicar o poema Morte e vida severina, de João Cabral de Meio Neto. A crítica da época se espantou. Chico não compôs uma música para Morte e vida. Ele descobriu e revelou a música do poema.

Passou-se a dizer então que eram seus olhos verdes e o incansável jeito de bom moço que o levaram ao sucesso a partir das telas de TV. Outra bobagem. No auge deste propalado bom mocismo, Chico estreou como autor teatral, em 1968, com Roda viva, uma critica cheia de maus modos à maneira como ídolos populares são forjados. Na ocasião, Nelson Rodrigues o atacou. “A única coisa válida no texto são 450 palavrões que o diretor José Celso injetou”, resumiu o dramaturgo. Nelson Rodrigues não gostou: Chico Buarque estava definitivamente consagrado.

Talvez a marca de Chico Buarque nestes 22 anos de carreira seja a radicalidade com que exerceu sua arte. Ele foi romântico, e radicalmente romântico, quando o país ainda se permitia a romantismos. E cantou Carolina, Januária e uma série de moças na janela. Ele foi provocador, e radicalmente provocador, numa época que o compositor chamou mais tarde de “página infeliz da nossa história” em que não se permitiam provocações. E cantou Apesar de você como porta-voz de quase toda a Nação. Foram mais de 100.000 compactos vendidos antes de o Governo apreender o disco. Ele foi amargo, e radicalmente amargo, num período em que o país não tinha mais motivos para se divertir com canções. E cantou Construção, Deus lhe pague. Enfim, ele foi otimista, e radicalmente otimista, quando o Brasil acreditava que se abria para um novo tempo. E cantou Vai passar.

Aprendi a gostar de música brasileira por causa de Chico Buarque. Entrei numa fila numa lojinha da Rua Barata Ribeiro, no Rio, para comprar o compacto simples em que Nara Leão cantava A banda. A loja tinha duas vendedoras. Uma só atendia quem procurava A banda. A outra cuidava do resto dos fregueses. Torci por Carolina num festival do Maracanãzinho. Fiz parte de muitos corais improvisados em festas adolescentes para entoar Noite dos mascarados. Vaiei Sabiá. Eu também não percebi na época a delicadeza deste canto de exílio. Ensaiei um sorriso de vingança quando ouvi no rádio pela primeira vez a empolgante Apesar de você. Tentei várias vezes decorar a letra de Cálice para aumentar o coro dos shows em que Chico e o MPB-4 não podiam cantar a música. Durante um tempo, tinha mania de chorar quando ouvia o Samba de Orly. Comemorei a volta de muitos amigos com Feijoada completa na vitrola. Corri para comprar Sinal fechado, o LP em que Chico canta músicas de outros compositores, e, até hoje, de toda a turma de craques que compõem o disco, o meu favorito é Julinho da Adelaide. Comemorei, com alguns milhares de brasileiros, a volta de Chico aos palcos na turnê que ele realizou no inicio do ano. Sei que a minha história não é muito original. É a história de uma geração.

Ninguém cantou com mais precisão a História do Brasil do que Chico Buarque nestes 22 anos. Para saber como estava indo o país, bastava ouvir seu último disco. Taí outra marca da obra de Chico: ele foi, durante este tempo todo, o mais arguto dos repórteres da MPB. E em nenhum momento, em favor da boa reportagem, e o Brasil urbano ainda não encontrou um retratista mais fiel, ele desmereceu seus títulos de bom poeta e compositor. Ouça logo este disco. Que mais se pode dizer de Chico Buarque além do que vai nestes sambas?

2 comentários:

Stefan disse...

Luiz...
Parabéns por ter encontrado essa maravilhosa matéria do Xexéu sobre o Chico.
Irretocável.

Abração

(stefan)

cristina sakabe disse...

falar o que? adoro seu blog.
adoro o chico e ainda encontro o stefan por aqui. to feliz.
inteh, cris