quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

ARTIGOS ESCRITOS POR CHICO BUARQUE - 002

Brigas... e depois?

Chico Buarque de Hollanda

Santa Cruz, número 3 - Maio/1963


Eram meras questões de minutos. E o encontro dos namorados mais parecia um duelo de ciúmes.

- Você chega sempre atrasado.

- É, sei. E ontem, quem é que ficou aqui esperando, que nem um pateta?

- Ah, eu só atrasei dois minutos. Hoje você atrasou dez.

- Você é que chegou adiantada. Mas deixa que qualquer desses dias eu descubro o que você tanto faz, que nunca chega na hora certa.

E as discussões se sucediam, sem pé nem cabeça. Mas ciúmes são cegos como o próprio amor. São sentimentos mesquinhos, minuciosos, não esquecem a insignificância dos mínimos segundos. As batidas do coração jamais deveriam se escravizar aos tique-taques desencontrados de dois relógios diferentes.

A verdade, porém, é que eram ambos loucos, um pelo outro, e seus corações acabavam por se entender, num ritmo comum de compreensão. E as hostilidades descansavam invariavelmente em beijinhos e mil perdões.

- Desculpe, viu amor?

- Que nada, meu bem, a culpa foi toda minha.

- Não, eu é que fiquei nervosa.

- Deixa disso, eu banquei o bruto.

Por pouco não voltavam a discutir.

Assim correram muitos meses e muitas, muitas brigas, e os dois não chegavam a um acordo. Mas a vida tem dessas coisas. Quando se dá conta, a felicidade já é irremediavelmente retrato na parede, cartinha na gaveta, passando.

Alguns anos mais tarde, ela se casava com um rapaz bonito, tipo galã da Metro. Viveram em harmonia, sem brigas, sem discussões, talvez por falta de imaginação do atlético marido.

Por outro lado, o antigo namorado da adolescência não tardou a se apaixonar pelo lindo dote de uma mocinha que era um tesouro, filha de próspero industrial. Embora se tratasse de uma menina meio café-com-leite, sua herança lhe dava um quê de exótico. Alimentava por ela uma intensa, excêntrica paixão, enquanto que o bonachão rodava com seu Rolls-Royce, jogava em Monte Carlo e repousava em seu iate transatlântico. E numa atitude de misericórdia, suportava, geralmente, como um senhor onipotente, os carinhos milionários da esposa.
Muito tempo depois, porém, por um desses acasos que só o destino sabe explicar, os dois antigos namorados se encontravam nas areias de Copacabana, que é a praia aonde todos vão. Já não eram os mesmos. Ele parecia carregar os milhões matrimoniais na respeitável barriga. Ela continuava encantadora, mas apenas na medida em que possa encantar uma mulher de cinqüenta anos. Conversaram pouco, o silêncio disse mais. E voltaram a se encontrar, com mais freqüência e menos acaso. Já eram, no entanto, velhos demais para as inflamadas e inúteis discussões dos dezessete anos. Caminhavam calmamente pela areia molhada, mão na mão, por mais ridículo que possa parecer para a sua idade. Caminhavam sem rumo, sem tempo, sem horizonte. E quando se voltavam, sentiam a nostalgia da vida perdida em poucos minutos.

Um comentário:

Romyna Lanza disse...

Chico, meu amor. Fico emocionada toda vez que escreve um texto exclusivo para o nosso blog. Estamos aguardando os textos do Edu. Como ele já adiantou que só cria por encomenda, tratei de pedir o texto hoje mesmo. Ouviu, Eduuuuuuuuuuuuu? 0800, hein?!

Beijos, querido Chico!