domingo, 3 de fevereiro de 2008

A sensibilidade de Dolores Duran


Estou profundamente encantada com Dolores Duran.
Pela voz, pela intensidade de suas composições, pela alma passional, pela vida agitada, pelas dores de amores e, claro, pela morte precoce, suspeita de suicídio.
Nascida Adiléia da Silva Rocha, no Rio de Janeiro, em 7 de junho de 1930, Dolores morreu em 23 de outubro de 1959, com apenas 29 anos. Morreu de amor?
Mas não vou reiventar a roda aqui para falar desta moça de coração sensível que estou conhecendo melhor somente agora.
Por isso, optei por apenas reproduzir informações de uma fonte segura: O Dicionário Cravo Albin de MPB.

Desde os três anos de idade já cantava. Aos cinco, já participava das festas populares de reisado e do grupo de pastorinhas (saía vestida de anjo), realizadas no bairro. Morou nos subúrbios cariocas de Irajá e de Pilares. Teve problemas de saúde na infância (reumatismo infeccioso), um dos motivos do problema cardíaco que lhe acometeu na idade adulta. Aos dez anos, incentivada pelo amigo da família chamado Domingos, resolveu participar do programa de calouros de Ary Barroso (Calouros em Desfile). A pequena Adiléa escolheu a música "Vereda tropical", que interpretou fantasiada de mexicana, com letra em português e espanhol. Tirou nota máxima, o elogio de Ary e 500 mil-réis. A partir daí, passou a aparecer em vários programas da época, sempre aos domingos. Aos doze anos perdeu o pai, fato que precipitou sua profissionalização, já que necessitava ajudar a família nas despesas.

Depois da morte do pai, a mãe, por necessidade, apressou sua profissionalização. Aos doze anos, passou a atuar no "Teatro da Tia Chiquinha", programa infantil da Rádio Tupi carioca, mesmo ganhando cachês baixos. A mãe resolveu procurar o diretor da rádio, Olavo de Barros, para pedir um aumento nos cachês. Olavo resolveu o problema levando a menina para atuar em uma temporada de peças infantis realizada no Teatro Carlos Gomes. Participou da montagem de "Mãe-d'Água", "Primavera", "Aladim e a lâmpada maravilhosa" e "O gaúcho".

Nessa época, gostava de ouvir discos de músicas estrangeiras (inglês, francês, italiano e espanhol). Percebendo que tinha facilidades na pronúncia em vários idiomas, passou a aprender várias músicas para interpretar. Foi esse fato que a fez participar do concurso "À procura de uma cantora de boleros", organizado por Renato Murce e realizado na Rádio Nacional. Apesar de não vencer o concurso (a vencedora foi Rosita Gonzalez), passou a freqüentar a rádio, procurando aparecer em vários programas e conhecer os artistas da época.

Um dia, numa apresentação em um dos programas, foi ouvida pelo Dr. Lauro Pais de Andrade e esposa, que a convidaram para um teste na Boate Vogue (estabelecimento do empresário Barão von Stuckart). Na ocasião do teste, cantou em vários idiomas, o que lhe valeu um contrato. Tinha desesseis anos e passou a usar o nome artístico de Dolores Duran a partir daí. Num desses shows na Vogue, foi vista por César de Alencar, que a convidou para trabalhar em seu programa que ia ao ar nos sábados pela Rádio Nacional. Foi contratada com o salário de 150 mil-réis por mês.

Começou a ser conhecida na noite carioca, freqüentando e se apresentando em várias boates, tais como a Vogue, Beguine, Little Club, Baccarat, Casablanca, Acapulco e Montecarlo. Nesse período de apresentações em shows noturnos, conheceu Ella Fitzgerald, que elogiou sua interpretação de "My funny Valentine" (de Hodges e Hart) e Charles Aznavour, que riu muito quando a cantora o chamou de Gringo. Fez amizades com personagens famosos da crônica carioca: Sérgio Porto, Antônio Maria, Nestor de Holanda e Mister Eco.
Para fazer o download deste disco, acesse o blog Um Que Tenha

Gravou o primeiro disco em fins de 1951, lançado para o carnaval do ano seguinte, com os sambas "Que bom será", de Alice Chaves, Salvador Miceli e Paulo Marques e "Já não interessa", de Domício Costa e Roberto Faissal, pela gravadora Star. Em 1952, também pela Star, gravou o samba canção "Um amor assim", de Dora Lopes e o samba "Outono", de Billy Blanco. Em 1954, foi contratada pela Copacabana e estreou com o samba canção "Tradição", de Ismael Silva e o samba "Bom é querer bem", de Fernando Lobo. No mesmo ano, gravou com sucesso o samba canção "Canção da volta", de Antônio Maria e Ismael Neto. Gravou também o samba canção "O amor acontece", dos irmãos Celso e Flávio Cavalcânti. Nessa época, apresentava-se com sucesso na boate Begui, do Hotel Glória, acompanhada pelo conjunto de Guio de Morais.

Em 1955, gravou com sucesso o samba canção "Praça Mauá", de Billy Blanco e o choro "Carioca 1954", de Antônio Maria e Ismael Neto. No mesmo ano, voltou a gravar uma composição dos irmãos Cavalcanti, o samba canção "Manias". Gravou ainda no mesmo ano o samba "Pra que falar de mim", de Ismael Neto e Macedo Neto. Nessa última gravação, ficou conhecendo Macedo Neto, com quem se casou em poucos meses. Nesse ano, fez excursão ao Uruguai e compôs sua primeira música: "Se é por falta de adeus", em parceria com Tom Jobim, gravada por Dóris Monteiro logo em seguida. Ainda no mesmo ano, lançou pela Copacabana o LP "Dolores Duran viaja", no qual interpretou composições em espanhol, inglês, francês e alemão, além de "Canção da volta", de Ismael Netto e Antônio Maria.

Casou-se em 8 de julho de 1955 com o radioator e compositor Macedo Neto. O casal não teve filhos, mas adotou uma menina (Maria Fernanda Virgínia da Rocha Macedo). Separaram-se três anos depois. Chegou a manter um romance com o músico e compositor João Donato, mais novo do que ela. Mas o namoro chegou ao fim, quando Donato foi morar no México.

Em 1956, gravou um de seus sucessos como intérprete, o baião "A fia de Chico Brito", de Chico Anysio. Registrou no mesmo disco o xote "Na asa do vento", de Luiz Vieira e João do Vale. Ainda no mesmo ano, gravou o bolero "Zefa Cangaceira", de Chico Anysio. Ainda neste ano, integrou a Caravana de Paulo Gracindo, atuando em circos, nos subúrbios cariocas e viajou em excursão para a Argentina e Uruguai com o violonista Bola Sete e seu conjunto.

Em 1957, gravou os sambas "Tá pra acontecer", de José Batista, Ivan Campos e Monsueto Menezes; "Minha agonia", de Mirabeau, Valdir Rocha e Paulo Gracindo e "Tião", de Wilson Batista e Jorge de Castro.

No mesmo ano, compôs nova parceria com Tom Jobim, o samba canção "Por causa de você". Em março daquele ano, o jovem compositor mostrou-lhe uma composição feita há poucos dias em parceria com Vinícius de Moraes. A cantora ficou encantada com a melodia e ali mesmo escreveu outra letra. Jobim tocou no piano a música e ela cantou seu poema. Ao terminarem, a cantora escreveu o seguinte bilhete para Vinícius:

"Esta é a letra que fiz para esta música. Se não concordar, é covardia!". O poeta, sem hesitar, rasgou sua própria letra, admitindo que a dela era bem melhor. Em 1958, ela mesma gravou a música ("Ah! Você está vendo só/ Do jeito que eu fiquei/ E que tudo ficou...").


No mesmo disco, gravou o samba "Estatuto de boate", de Billy Blanco. Logo em seguida, fez nova parceira com Tom Jobim, "Estrada do sol". Também no mesmo ano, gravou o LP "Dolores Duran canta para você dançar", com destaque para "Feiura não é nada" e "Se papai fosse eleito", de Billy Blanco, entre outras. Ainda em 1958, fez excursão, junto com outros artistas (Jorge Goulart, Nora Ney, Conjunto Farroupilha) à então União Soviética.

Decidiu abandonar o grupo e seguiu para Paris, onde ficou um mês se apresentando numa boate freqüentada por brasileiros. De volta ao Brasil, compôs em parceria com o amigo e pianista Ribamar os sambas-canções "Quem sou eu", "Pela rua", gravada por Tito Madi, "Se eu tiver" e o samba "Idéias erradas". Ainda em 1958, compôs "Castigo", um samba-canção que fez sucesso na voz da cantora Marisa Gata Mansa. Ainda no mesmo ano, lançou o LP "Dolores Duran canta para você dançar nº 2", com destaque para "Sabra Dios", de Álvaro Carrilho; "Conversa de botequim", de Noel Rosa e Vadico; "Esquecimento", de Fernando César e Nazareno de Brito e "Não me culpes" e "Solidão", de sua autoria.

Na madrugada de 23 de outubro de 1959, depois de um show na boate Little Club, a cantora saiu com amigos para uma festa no Clube da Aeronáutica. Ao sair da festa, resolveram 'esticar' no Kit Club. A cantora chegou em casa às sete da manhã.Ao dirigir-se para seu quarto, disse à empregada: "Não me acorde, estou muito cansada. Vou dormir até morrer."
De fato, faleceu ainda naquela manhã, enquanto dormia. Suspeita-se que havia abusado de barbitúricos e de bebida alcoólica.

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Crônica de Antônio Maria publicada no dia seguinte à morte de Dolores Duran

Vi-a, pela primeira vez, no Vogue. Cantava escondidinha, fora de luz, atrás do saxofonista. Quase não se lhe via o rosto. Faz muito tempo.Mais tarde, fizemo-nos amigos. Com Ismael Neto, andávamos constantemente juntos. Estava presente, quando fizemos algumas cançõs, "Canção da volta", por exemplo, de que foi a primeira intérprete. Hoje em dia, lembrava-se de canções, minhas e de Ismael, das quais não me lembro. Só ela se lembrava. Prometia sempre um encontro (um maestro presente), para escrevermos essas músicas, que Ismael não teve tempo de escrever. Uma delas chama-se "Dez noites". Essas músicas não serão conhecidas nunca mais. Poucas vezes passou pela música popular uma mulher de tanta sensibilidade. Seu coração era um coração repleto de amor. Nunca a vi que não dissesse estar apaixonada. Não dizia por quem . Vi-a, pela última vez na madrugada da última quinta-feira, no Kilt Bar. Fazia contracanto com um disco de canção francesa. Todos a ouviam, em silêncio. Depois, levantou-se, atravessou o bar e foi sentar-se sozinha, a uma mesa escanteada. Atirou-me um amendoim, para que eu a olhasse, e gritou de lá: "Estou tão apaixonada, e quero ficar aqui quietinha. Poss?". Procuro você, agora, para guardar os traços de seu rosto. Você, palidamente, você. O aroma da morte, entre as flores. Realizo no sono do seu rosto toda a humanidade, num sómomento difuso e longínquo. Roda-me a cabeça pelo álcool que bebi à notícia de sua partida. Já não sei onde estão as palavras."


Canções

A noite do meu bem
Canção da tristeza (c/ Edson Borges)
Castigo
Demais
Deus me perdoe (c/ Edson Borges)
Estrada do sol (c/ Tom Jobim)
Falsos amigos
Fim de caso
Idéias erradas (c/ Ribamar)
Leva-me contigo
Minha toada (c/ Edson França)
Não me culpes
Noite de paz
Olhe o tempo passando (c/ Edson Borges)
Pela rua, samba-canção (c/ Ribamar)
Por causa de você (c/ Tom Jobim)
Prece de Vitalina (c/ Chico Anísio)
Quem foi? (c/ Ribamar)
Quem sou eu? (c/ Ribamar)
Se é por falta de adeus (c/ Tom Jobim)
Se eu tiver (c/ Ribamar)
Só ficou a saudade (c/ Fernando César)
Solidão
Ternura antiga (c/ Ribamar)
Tome conta de você (c/ Edson Borges)

2 comentários:

Stefan disse...

Andréa

que gostoso rever Dolores Duran

valeu, beijão !!!

Anônimo disse...

Achei a história dela muito intensa, em todos os aspectos. Me pareceu ser uma moça determinada, sem medo algum de encarar o mundo, tantas as coisas que já tinha feito com tão pouca idade. Mas se a suspeita de suicídio se confirma, mostra um lado muito frágil, incapaz de suportar as dores de amores.